domingo, 21 de dezembro de 2008

Twinkle Twinkle Little Wrinkle

Hoje tenho que escrever. Não é porque o espírito natalício que me salte na veia, mas porque me esqueci do saco com os livros e os jornais na rua e já li tudo o que tenho cá por casa. Também me convém ocupar os dedos e a boca, para ver se não cedo à tentação e ataco o paquistanês mais próximo, em busca de umas passitas de nicotina (e já estou atulhada de batata doce).

"Si, cariño, dáme dáme... ese regalo que está bajo el arból"

Ainda a propósito do natal. Não sei se as pessoas que vi há pouco deitadas no chão do Zimbabué, se andam a treinar para espreitar debaixo da árvore à procura das prendas, se sonham com uma filhoz ou rabanada imaginária, se hei-de acreditar no jornalista quando diz que já não se levantam porque lhes falta a força, porque lhes falta a comida. E não é preciso ir tão longe, basta subir aqui a rua.

Atenção, não tenho absolutamente nada contra a hipocrisia do natal, pelo contrário. Gosto bastante. Gosto das luzes, das prendas, do bacalhau e do recheio do peru. E dos alperces secos. E dos espanhóis. Se algum dia, por algum acidente no universo, a minha descendência for mais do que 9 sobrinhos e 17 pombos, vamos ser espanhóis. O "Si, cariño, dáme dáme... ese regalo que está bajo el arból" só vai acontecer no dia de reis. Aí sim, foi quando a criança recebeu os presentes, com toda a certeza torcida com frio e com o cheiro da merda da vaca há tanto dia enfiada no estábulo. Além de que, em Janeiro já começaram os saldos...

O mistério divino da pantufa aquecida

Como já se nota, depois do telejornal de hoje, fiquei com algumas dúvidas existenciais. Será que a crise chegou ao Vaticano? Será que o papa dorme de pantufa Prada e botija para aquecer o santo pé? Será que a sua fé diminui por ser aquecida? Então porque raio os velhotes de trás-os-montes tem que antecipar a sua missa do galo ou nem a fazer, devido ao frio que faz na igreja? Já pensaram que se as igrejas fossem um sítio acolhedor, talvez tivessem mais clientes, ai!, crentes?

Twinkle Twinkle Little Wrinkle

Desde que soube que ia fazer 30 anos, comecei à procura de uma razão para me deprimir. Isto porque já nem é preciso dizer que tenho um certo gosto por dramas e clichés, todos sabem. Não será por acaso que a data do meu aniversário coincide com a comemoração do dia em que Van Gogh corta sua orelha esquerda, a leva para um bordel e a dá a uma prostituta chamada Raquel.

Quero ter a minha própria crise dos 30. Não percebo como não me ocorreu de imediato apelar à minha família. Em apenas 40 escassos minutos encontraram-me as rugas e as olheiras, chamaram-me velha, cansada e ainda levei umas pancadinhas nas costas a relembrar que os trinta estavam aí. Desta vez safei-me do TÁS GOOOOORDA.

No dentista explicam-me que não estou a ir para mais nova. No trabalho dizem que tenho muita bagagem e perguntam-me como era, quando eu era nova. À porta dos concertos perguntam as horas a esta senhora...

Mas que porrrrrra! Mas afinal quem são os trinta que estão aí, que toda a gente de diz que me batem à porta?? Os trinta ladrões? Os trinta anões? Os trinta milhões??

A volta ao meu mundo em 21900 dias

Não quero saber quantos anos tenho ou faço. Quero sim saber é o que faço com cada dia que passa. Em teoria tenho para viver pelo menos duas vezes mais do que já vivi até agora. Cerca de 21900 dias.

Amigas dizem que é aos trinta anos (ou seja, aos 10950 dias) que as mulheres sabem o que querem. Esta sabe e fez uma lista. Porque quero viver com todos os luxos a que tenho direito: tempo, verdade, coragem e vestidos com o sapatinho a condizer. Sem medo, esta é a minha lista de desejos:

- Quero aprender a patinar e quero uns patins. Porque ando a patinar há muito tempo sem patins.
- Quero ir a uma marisqueira e comer até lamber os dedos e arrotar a cerveja. Para comemorar com pompa e circunstânia a minha possível futura entrada nos apreciadores de marisco, depois de trinta anos de ausência.
- Quero aprender a pintar as unhas sem me atirar de lado para dentro da banheira, praguejar e colar os dedos das mãos aos dos pés.
- Quero ir à ópera pela segunda vez. Ao ballet, ao teatro, às exposições, às feiras. E ao circo... quero ir ao circo pela primeira vez.
- Quero brilhar no escuro com o meu novo aparelho nos dentes.
- Quero curar a minha procrastinação crónica, ainda que já tenha ouvido chamar nomes mais bonitos à preguiça.
- Quero iniciar um movimento social, com um manifesto anti-projecção de saliva fermentada. Objectivo: banir, punir as excreções e secreções abundantes, sonoras, protegendo-nos de escorregarmos numa qualquer cuspidela e fracturar os dois braços.
- Quero afugentar das janelas os pombos e os homens das obras.
- Quero recitar novamente em coro vezes e vezes o poema de Augusto Gil da chuva e da neve, onde batem leve levemente. Se tiveram que o decorar, acusem-se!
- Quero uma ficha tripla para ligar a TV e o DVD ao mesmo tempo.
- Quero ir a Paris, Porto Rico, Nova Iorque, Argélia, Israel, Praga, Viena, México, Sicília, Uruguai, Argentina, Sevilha, Roma, Atenas, Indía, Viana do Castelo, Marrocos, Brasil, Goa e Macau, Angola, Moçambique. Já fui um conquistadoooor!

E foi assim que se passaram mais 2 horas de um dos 10950 dias, procrastinando a tese e a roupa por passar.
Valham-me os anos bissextos.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Menina má - O regresso anunciado

Menina má

Regresso sempre com a vida em perspectiva. Não sei se é porque lá fora me incha o ego, se porque me afasto destes dias em que me tornei naquilo que não queria e que sempre critiquei. Sem tempo para os amigos e família, ainda que estejam quase todos num raio de 30 quilómetros ou a 30 segundos de uma chamada. Tenho sido má filha, má irmã, má tia, má amiga, má vizinha, má, ponto. Totalmente alheada das vidas alheias, que muito prezo e das quais não queria perder nem uma reticência, espero muito que me perdoem o retiro. Desculpem-me.

À menina e ao portátil, manda Deus escada abaixo

Entretanto, aliviem-me as vossas sentenças porque já comecei a pagar pelas más acções. O anjinho da guarda que está ao serviço no turno da manhã, além de vesgo é trambolho, e em vez de me pôr a mão por baixo, vai de me mandar escada abaixo. Para quem conhece o palácio aqui da princesa de Alcântara, sabe que a preocupação era não ir de coroa ao mármore, missão bem sucedida mas que me valeu a medalha de ouro em acrobática. Não, não estava borracha. Eram 10 horas da manhã, atrasada como sempre, portátil como sempre, saltos altos como sempre. Estatelada no chão como sempre. Valeu-me meia hora de choro compulsivo, nódoas negras sabe-se lá onde, três semanas sem ir ao ginásio, um braço a dar para o deslocado e um andar no mínimo, suspeito. Mas as unhas... intactas!

Atenas nas alturas, glória a nós e à pasta de azeitona

Passados quatro anos, um ciclo olímpico inteiro, voltei a Atenas. Quer dizer, voltei a sobrevoar Atenas. Mas como nem só de Atenas vive a Grécia, fui para Marathonas. No percurso de táxi já ia a pensar se de facto não seria melhor armar-me em Fílipedes, agarrar nas perninhas e fazer-me a 42 quilómetros de estrada. Não fossem os 40 quilos de folhetos publicitários que carregava pelo braço deslocado, mais os 15 da bagagem, haviam-me de ver a mandar o taxista dar uma curva à acrópole mais próxima.

Não foi contra os persas, mas também acabei a estadia com uma vitória e a espernear VENCEMOS! Vencemos (Portugal) o processo de candidatura à organização do campeonato da europa. Não caí morta como reza a história, mas ficou-me um misto de vaidade com "agora é que estou f******".

À conta de três noites de bar aberto, estendi o leque das relações internacionais. De Israel, aprendi que gosto de Portugal. Saio para o supermercado com a certeza que volto a casa, que o único perigo é servir de alvo a um pombo incontinente. Da Alemanha, que nem todos os alemães são loiros, engomados e desenxabidos. Que na Sérvia têm as piores frases de engate: - You have something in your eyes... - Yeah... I do. Make-up. Da Grécia, se há coisa que me encanta neste país, é a pasta de azeitona.

Não tenho dinheiro para a açorda

O que fazer quando em pleno jantar alguém te diz, "dou-te a minha password" e tu percebes "não tenho dinheiro para a açorda"?... posso garantir que o resultado é de ir às lágrimas e que lamento, amigo, esta junta-se aos clássicos. De ti terei sempre duas recordações: a açorda e o sair às 7h00 de uma tenda algures, há talvez 14 anos atrás e ficarmos a falar, regados a medronhos e sandes de feijão, os 3. Eu, tu e o teu amigo imaginário.

Perseguições

Na vida há coisas que me perseguem. Sejam elas a celulite encrustrada, relações virtuais, ou crises intestinais cada vez que mudo de ares. Mas por favor, deixem de cuspir ao alcance dos meus olhos ou de se bufarem ao alcance do meu nariz. Já agora, por favor não se cocem em público ou pelo menos não enfiem a mão no traseiro e não cheirem a seguir. E não mijem à porta do meu escritório. E por favor, quando estiver a jantar e a tentar beber uma bela cerveja com espuma, não imitem um pato donald a pigarrear-se todo com gosma na garganta, sucessivamente de 4 em 5 segundos. Fica o pedido feito aos passageiros do voo Madrid - Lisboa, aos colegas de trabalho, aos clientes da Lusitânia, aos habitantes da Prior do Crato e aos paquistaneses das Docas.

domingo, 31 de agosto de 2008

Rayuela - O Jogo da Vida

Tenho uma nova paixão. É verdade, traí-te. Troquei-te Gabriel, pelo Julio. Há muito que o deslumbramento pelos teus cem anos de solidão tinha acabado. Vivia apenas das tuas putas tristes, das tuas memórias, que nunca consegui digerir. A capa tem o jogo da macaca mas optaram por lhe chamar o jogo da vida. A fazer lembrar os livros de aventuras, saltamos de capítulo por uma ordem que nem sempre nos parece a correcta. Será então aí o jogo da vida. Podemos escolher como o queremos ler, há textos inteiros que não percebemos nada, há partes que nos fazem sorrir, rir, que nos levam às lágrimas. Outras que nos deixam um estremecimento absurdo porque é mesmo aquilo que sentimos e nunca o conseguimos expressar por palavras, afinal tão simples. Outras ainda em que nos aborrecemos e só queremos virar a página. Há também aquelas que nos tocam na pele, numa pele que bem podia ser a nossa.

Foram precisos 45 anos para que chegasse a Portugal. Não entendo. Se se lembram de algo escrito quando andava a primeira vez pelo México, Cortázar, argentino, foi-me apresentado por um porto-riquenho, que ficou de boca aberta por não o conhecer, por não ter ideia da dimensão da sua obra, do seu génio. Não tinha mesmo. Estou apenas a começar. Terás com toda a certeza muitos defeitos, não te prometo o amor eterno, e tão pouco fidelidade, mas enquanto não quebrares o encanto, vou-te descobrindo, vou-te lendo. Ainda que por vezes em gíglico, língua própria dos dois amantes centrais.

Jogo da macaca, na versão argentina, na rayuela, a primeira casa é chamada a "Terra", a última o "Céu".

Um pequeno capítulo, na voz do autor.

http://www.youtube.com/watch?v=OzvEZ4LBg_g

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Para ti Segisnando, da Ortigosa, com Amor

Breve nota do autor: a publicação desta está desfazada no tempo. Já nem um textinho consigo acabar no próprio dia!! O tom mais intimista deve-se mesmo à falta de sentido de humor.

Não sei se é da chuva que me molhou mas não lavou o carro, se é da jante retorcida no passeio ou se é do dia de merda que tive, se é de mais um quarto de hotel, mas cá estou outra vez. Na A8, junto à saída para Leiria Norte, a caminho da Ortigosa fica uma terra que se chama Amor.

Sobra-me o tempo no caminho. Por um lado, a exaustão destes dias, meses, anos, leva-me a procurar descanso em pequenos pedaços de noite, onde me perco a escrever no pensamento. Pelo outro lado, a pena suspensa que o Agente Segisnando me impôs, obriga-me a não exceder os meus limites durante pelo menos um ano, sob o risco de começar a ter mais histórias de taxistas para contar. Espero que me leias, Segisnando, e que me respondas ao que dentro daquela carrinha azul e branca não tive coragem de te perguntar: mas que raio de nome é esse?? Não reparei se eras casado ou não, ainda que te tenha olhado estarrecida para o que tinhas entre mãos, mas seja qual for a rapariga, é bom que seja de boa imaginação.

Nietzsche ma friend

Voltando à terra Amor, e não deixando de me sentir um padre celibatário a fazer cursos de noivos, atrevo-me a mandar dois ou três palpites, sem qualquer veleidade ou pretensão. O que se passa é que odeio generalizações. Quase tanto como ouvir às 2h00 da manhã o hóspede do quarto ao lado a assoar-se, vulgo fungar-se todo, enquanto toma banho. Ouve-se, lê-se, com demasiada frequência a história de que nós mulheres, estamos diferentes, a nova mulher. A que nem já, nem nunca, procurou príncipes encantados mas também não se contenta com os sapos.

Do alto da minha mais recente condição de divina, diva, diversificada, divagadora, divertida, divagante, divergente, diversifoliada, divelente, diversiva, diversa, diversiforme, divorciada, permito-me anunciar-vos que afinal continuamos as mesmas, cada uma com as suas pequenas subtilezas. Não nos confudam com o que leêm nas revistas.

Continuamo-nos a derreter com sinos e orquestras, mas com promessas de amor presente. Não futuro. Apenas queremos sentir, apenas queremos algo real. Ousámos deixar de encontrar o nosso conforto no lavar das vossas cuecas. A grande revelação é que não queremos nada mais do que sentir a vossa atenção, se for sincera. Deixámos o pudor à porta. Talvez não acreditemos mais em fidelidade, pelo menos não naquela que se promete. Deixámos de fazer depender a nossa felicidade dos vossos humores.

Em navegações pela net, roubei isto a um blog que por sua vez o roubou a Nietzsche. Resume na perfeição o estado de espírito de muitos de nós, não de todos.

"Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia"

E porque comecei por dizer que odeio generalizações, amigas, não os metam todos no mesmo saco, ainda que às vezes o mereçam. Também eles têm medos e inseguranças, também eles querem a nossa atenção. Se nós estamos em maturação e não é fácil entender esta suposta nova mulher, digam-lhes o que vos vai na alma, ainda que doa, a eles. Esqueçam as regras, esqueçam o certo, esqueçam os jogos. Continuo a acreditar do fundo do coração que o único caminho para a nossa consciência é o de seguirmos de coração aberto. E isto sim, é um luxo sem o qual não quero viver mais.

Antes que isto fique lamechas, quero só dizer que o que escrevi em cima serve para aplicar às pessoas que nos conseguem tirar o sono, às que o amigo Nietzsche se referia. Às outras... logo se vê. Depende dos nossos prazeres e das nossas necessidades.

Volto um dia destes. Quando sair do retiro a que me vou forçar conto-vos que tenho um novo clube de futebol, que vou à Grécia em Setembro, que descobri que na loja do lado posso comprar "bandoletes à Nuno Gomes" e "peúgas sem elástico". Que descobri que o libanês-vizinho-do-lado é um fervoroso entusiasta de torradas queimadas e de partidas de xadrez à porta aberta.

domingo, 13 de julho de 2008

À Borda d'Água e do Pastel de Bacalhau

Dentro em breve estarei à borda d'água mas o que vos trago aqui hoje é ele, o verdadeiro, O almanaque, o mítico Borda D'Água. Fruto da minha mais recente viagem, desta vez de casa para o trabalho, mais concretamente de casa para uma conferência, mais concretamente ainda, de quase Oeiras para quase Carnaxide.

Contrariando todos os meus hábitos mais enraizados, levantei-me cedo, saí de casa cedo, a pensar: vou tomar um grande pequeno-almoço, acompanhado de umas breves leituras pelo jornal, na paz e descanso de um café bem amargo e assim já estou pertinho e preparada para aguentar 10 horas de Liderança e Formação de Equipas. A única coisa que se formou foi mesmo uma fome de deixar o estomâgo colado ao porta-bagagens e um humor de cão que rosnava e praguejava a quem passava. Depois de duas horas para fazer uns míseros 15 km , saio em grande estilo do carro e estatelo-me ao comprido no passeio. Depois de mais uma demonstração deste meu equilíbrio muito próprio, fiquei preocupada comigo. Desenganem-se, pois às vezes ainda que possa parecer, não estou a ficar surda. Estou a ficar mesmo gaja. Joelhos esfolados, mãos em sangue, com duas boas almas a quererem levantar-me do chão, com umas quantas dezenas de pessoas a olhar e eu só conseguia rir e pensar: Será que parti as unhas??

Ter unhas é complicado. Acertar à primeira nas teclas sem resvalar exige agora um exercício de perícia elaborado. A porta do prédio já lá tem duas (minhas, pelo menos). Os objectos, suponho que sejam objectos, não identificados dentro da mala contam já com uma. Por e tirar lentes de contacto tornou-se um drama. Prescindir da funcionalidade em benefício da estética traz também as suas virtudes. Agora que tenho unhas, as minhas costas vão sofrer muito menos. Já não posso carregar grades, tendas e paletes de powerade. Sou menina.

Da conferência pouco retirei. Retirei-me até mais cedo porque já não conseguia ouvir o tipo a lamber o Mourinho de cima a baixo, com geleia de caramelo. Cheguei a casa a cheirar a pastel de bacalhau mas pelo meio ouvi, li e redescobri algumas coisas interessantes, tudo à parte da dita conferência, ainda que na mesma sala. A sessão que mais aguardava era a "Gestão da Pena que Temos dos Outros". Queria descobrir como é que se podia ter alguma e consegui. Pena de mim ali enfiada a ouvir um senhor que dava pena ouvir, pena de não ter comido mais ao almoço, pena de não ter pintado as unhas de vermelho, pena de não estar encostada à minha jemela, com um bom livro sobre o assunto. A jemela ainda vem de Munique, mas encontra-se no rol de palavras perdidas do sul do nosso país, caídas em desuso, mas que ainda arrancam uma boa gargalhada.

Mas para perder as manias e deixar-me de arrogâncias, à hora de almoço fui enganada por um paquistanês clandestino em 60 cêntimos. Não foram rosas, senhor, não. Cobrou-me 2€ pelo Borda d'Água quando o preço estampado na capa é de 1,40€. Tudo bem que foi servido na esplanada, mas para isso já basta o café. Desenganem-se novamente. Não comprei o almanaque por pena, mas porque preciso saber as marés.

Digo-vos que para mim foi um reviver das torradas de azeite e alho ao pequeno-almoço da minha avó, dos bolinhos com bagaço do meu avô, dos anos que aprendi a ler nos "livros aos quadradinhos" e das pilhas das revistas do Correio da Manhã, ainda com a pouco sagrada página do meio. De imaginar o voo das gaivotas que se aninhavam ali, e à falta de jemelas, dos naperons que cobriam os encostos do sofá. E das horas que passava a dar volta ao Borda d'Água.

Sabiam que em 2008 têm mais um dia para trabalhar? Sabiam que em anos bissextos, no Séc. XIII, na Escócia, eram as mulheres que, ao contrário dos outros anos, tinham o direito de escolher o marido e se o escolhido não quisesse, era obrigado a pagar uma multa de respeito? Que se deve estercar (a terra...) no minguante ou no crescente? Deve haver por aí muito boa gente com problemas de obstipação que ainda não descobriu as fases da lua...

Fiquei triste com o final. A julgar por um dos prelectores, já devia estar triste desde manhã porque estou de saltos altos. Mas fiquei a saber que os nascidos este ano (desculpem lá qualquer desânimo, breves futuras mães e pais mas mais parece que vão dar à luz um olharapo) vão ter um rosto grande e feio, muitos sinais, cabelos ralos e ruivos, narizes grandes e abertos. O autor ainda tem o cuidado de apelar à nossa pena e pedir para lhes darmos, ainda assim, a possibilidade da "eternidade prometida", que é o Amor, pois é o Amor que nos salva.

Uma questão impõe-se. Será que a minha cara achatada, o meu dente de fora e outras partes do corpo que deviam estar mais para dentro, não são efeito do património genético já desgastado em outras duas tentativas bem sucedidas, mas sim vingançazita de um deus menor, farto de brincar com a varinha de condão?? Pessoal de 1978! Mandem fotos!

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Zé Miguel no Reino da Bavária

Ainda não sai do hotel mas adoro Munique. Pacotes de gomas na almofada à chegada, pessoas nuas nas fontes e debaixo das pontes, potes de gomas no centro de imprensa. A parte de estar numa cidade conhecida pelos inúmeros jardins de cerveja não interessa nada já que vou falhar tudo o que é festa, festival ou outras animações. Seja como for, quando nos fazemos passar por jornalistas e prometemos entrevistas ao recepcionista do hotel, a cerveja é à borla. Preta, fresca e de meio litro.

Mas interessa sim apresentar-vos o Zé Miguel, ex-atleta de alta competição, jardineiro de profissão, deficiente mental. Não lhe estou a chamar nomes, tem de facto algumas incapacidades intelectuais. Está nestes campeonatos como assistente do treinador da equipa adaptada, mas vou adoptá-lo para cada deslocação que fizer. Carrega-me o computador, monta e desmonta os barcos, dá de comer aos outros, esforça-se por aprender as primeiras letras de cada palavra em inglês. Diz ele que “como tudo na vida, o que interessa é a primeira parte. Depois vai tudo dar ao mesmo, é só seguir em frente”.

Filósofo, preocupado e meticuloso. Ao ponto de durante toda a viagem, mas mesmo toda a viagem, me vigiar o sono e não me deixar por um instante que fosse, deixar cair o queixo um mísero milímetro. Juro que nunca lhe contei nada das minhas patologias crónicas e garanto que não paguei pelo serviço que prestou aos outros passageiros.

Sádicas reflexões e pornografia animal

Quem costuma andar de avião sabe que é hábito bater palmas aquando de aterragens mais ou menos turbulentas. Será que os brasileiros em Congonhas, uma vez que aquilo tudo só explodiu depois de estar no chão, também bateram palmas?

Este singelo comentário (que não é meu!) e a anedota da caracoleta (que não é para aqui!) marcaram definitivamente o ponto de viragem nas conversas no bar do hotel. Sadismo à desgarrada, piadas pouco próprias ao despique e à custa de quem passa. A cerveja, essa, continua por conta da casa. Mais uma semana sem fazer dieta. E mais uns quantos anos sem tocar em caracóis e em afins viscosos e escorregadios.

Mais um deficiente a acrescentar à lista

No primeiro dia adoptei o Zé Miguel, deficiente mental. Na primeira noite um mosquito, deficiente visual. O meu mosquito de estimação, que há duas noites não me deixa dormir, só poder ser amblíope. Com tanta remadora boa que para aí anda, o tipo não me larga, zumbe-me aos ouvidos a noite toda e em cada oportunidade pica-me sem dó nem piedade. O problema é que aqui os edredões são como os alemães. Brancos, compridos e estreitos. Como sou inversamente proporcional às medidas da dita cobertura, fico com um problema ou melhor, fico sempre com alguma coisa de fora a servir de manjar ao raio do mosquito.

Bons prenúncios clínicos

Hoje consegui chamar fisioterapista ao fisioterapeuta. Logo no primeiro dia de contacto, o psicólogo da Selecção aconselhou-me a consultar um colega, e com alguma rapidez. Fiz o médico estar no aeroporto às 4 da manhã para vir para cá. Tenho a impressão que isto nos próximos dias vai animar. Neste departamento médico, pelos menos também já tenho aspirinas à borla.

Sr. Michelin, isso é se nós não quisermos!

Pág. 137 – Título: Mulheres que viajam sozinhas
Recomendação do Guia Michelin para Munique: “Peça um quarto perto do elevador do hotel e não deixe estranhos entrar no seu quarto”. Já vai tarde. Não conhecia o mosquito de lado nenhum.

Munique 1972 - Os israelitas na altura não comiam tanto

Estou a meio da terceira noite e o Ludwig não desiste. Já que estou tão familiarizada com a criatura voadora, resolvi dar-lhe um nome. Um que fosse famoso e nobre por estas terras e ao qual se deve a Oktoberfest.

Por falar em momentos cruciais da história, o atentado terrorista em Munique tem a sua efeméride agora a 5 de Setembro. A data está próxima mas não tanto como a equipa israelita. Porta do lado. Se os rapazinhos na altura comessem tanto como os primos deles hoje o fazem, se calhar teriam conseguido reunir forças para mudar o final da história.

Quero ser uma Weisswurst

Ainda segundo o guia dos pneus, antigamente a Weisswurst era tomada como um segundo pequeno-almoço. Como se estragavam facilmente, estas salsichas eram mantidas em água quente até ao meio-dia.

Boa Noite, Ludwig

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Um acaso nunca vem só – Live from Duplex 76

Depois de ter destilado o álcool das últimas 3 noites com muita canela e pastel de nata, já consigo alinhar ideias. Vi que apesar de umas quantas mudanças de clima não tenho escrito grande coisa. Vi que por momentos achei que estava a perder o dom de atrair acontecimentos estranhos. Vi que não tinha nada com piada para dizer.

Deixei para trás tudo o que não era bom para mim e agora vivo entre os Prazeres e as Necessidades. Literalmente. Tenho um duplex lindo com muitos pombos e muitos vizinhos que cospem para o chão, outros coçam-se e cuscam à janela, 5 lojas do chinês, 4 restaurantes japoneses, 2 nepaleses, 1 tailandês, 50 portugueses... 1 bingo, 1 jardim e 1 palácio para passear. Já era “habitué” do japonês até que descobri há uns dias que o tipo morou nesta mesma casa e águinha boa aquele corpinho nunca viu. Isto narrado pelo senhorio-filho-vizinho de baixo, cujo senhorio-pai-vizinho da frente é amigo do libanês-vizinho do lado. A única vez em 180 anos que este prédio foi assaltado moravam cá 4 ou 5 polícias (no mesmo apartamento). Entre as personagens que já passaram pelo condomínio das varandas azuis gostava especialmente de ter conhecido o ninja que todo o dia via desenhos animados.

Mas falava eu no início do parágrafo de limpezas. Há quem as faça todos os dias, há quem nunca as faça. Eu fiz uma de Primavera. Tirei cortinas, mandei tapetes fora, mudei a disposição dos armários, esfreguei a porcaria entranhada nas frestas dos azulejos, deitei fora todas aquelas peças que vamos guardando e já não nos servem para nada a não ser ocupar espaço e criar pó. E não fiz substituições. Deixei prateleiras e parapeitos vazios. E não estou a falar da minha casa.

A vida agradeceu-me a desinfecção e teve uma grande atitude. Nunca a tinha visto falar assim comigo mas tocou-me no ombro, piscou-me o olho e disse-me naquele jeito meio gozão, “Vês… pensas que és esperta mas não me controlas…”. E riu-se. Riu-se o fim-de-semana todo. Riu ela, eu, ele, os amigos dele. Por obra e graça do espírito do acaso fiquei a conhecer instituição dos cansados à nascença, um dos seus membros mais ilustres, as duas filhas, e outras pessoas especiais. Entre concertos inesperados, pequenos-almoços de garoupa e jantares de degustação etílica, ficou-me o sabor a sal na pele e mais meio bronze à camionista. Piadas à parte, escrevo porque conheci pessoas de facto especiais e não podia deixar de o partilhar. Pessoas que apesar da história de cada um, ajustaram-se por acidente, por uma muito feliz casualidade, dispuseram tempo e boa disposição sem pretenderem nada em troca, mais do que um sorriso, do que uma gargalhada. Pessoas que conseguiram transformar 2 noites e 1 dia em férias de Verão. Um misto de Verão Azul com a Ilha da Fantasia, anões e fatinhos brancos à parte, com todos os desejos satisfeitos. Quinta-feira fechei os olhos e pedi um desejo. Hoje, Domingo, fecho os olhos com o desejo realizado. Só não vi estrelas porque o planetário já estava fechado.

Porque a minha veia dramática e os meus devaneios literários me levam a acreditar no lado mágico destes imprevistos, agradeço ao senhor da cartola com o coelho na mão. Ou com os bilhetes para o concerto na mão.