quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Pequena nota do autor

Ja mandei abaixo 4 vezes o pc do "monsieur", a mota avariou, a ligacao do intercomunicador nao funciona e chovia as portas do Sahara, na noite em que decidimos acampar, com duas desinterias simultaneas e uma tempestade de areia. Juro que nao fui eu!!!!!

O Mosaico tunisino

Eu juro que nao queria. Mas ja nao me controlo, infelizmente nem a lingua, nem o instestino. Ha dois dias que uma pizza manhosa, num cafe manhoso, servido por um empregado manhoso, me anda a provocar crises diarreicas de entrar pelos hoteis e cafes a dentro, a pedir por favor.

O que eu nao queria era largar todo o meu veneno sobre os tunisinos, por que os ha com certeza tambem em formato de boa gente e supostamente nao sou muito dada a generalizacoes, mas estes ja estao a merece-las.

A economia
Ora generalizando, o tunisino tipico e o tipico comerciante nao-te-larga-da-perna-enquanto-nao-comprares. Quando nao compras, so falta ofender. Quando um tunisino se aproxima na rua, tens a certeza que nao e para dizer bem-vindo nem para perguntar as horas. E para te chagar a paciencia. Tens sorte se nao te cuspir para os pes.

O tunisino da-te atencao enquanto significas euros ou dinares. A partir dai o problema nao e deles. Literalmente. Nao facilitam, nao ajudam, nao querem saber. Gosto que nao sorriam ou sorriam pouco. Assim nao tenho que lhes ver o dente isolado, esburacado e amarelo, que por norma mora sozinho.

O social
Quem os ve na rua nao sabe o que se passa. Homens, muitos homens mesmo, quase todos magros, pele cor de canela, muito gel e muita falta de banho. Beijam-se e abracam-se, vivem sentados nos cafes e encostados aos postes. Falam alto, discutem, querem todos ser o Cristiano. Elas gordas e muito pintadas, algumas de facto mais valia andarem tapadas. Olham-nos. E olham e olham e olham feitos parvos. E fumam. Acho que ate o pacote fumam. O empregado do cafe serve a fumar.

A Higiene
Acham-se superiores e nem papel higienico usam. E banho duvido que tomem. No hotel somos os unicos a ter a chave do duche. Sim, e a parte. Se queres ter direito a duche pagas um dinar. Lixo pelo chao e assim que sais da rua principal ja te cheira a esgoto. Vivem parados na rua, nos cafes.

A hospitalidade
Conduzem como verdadeiros animais e ja fomos enganados 2 vezes por taxistas. As 5h00, quando precisamos de um quarto de hotel nao havia. Corremos 9 hoteis e nada. Ah e tal sao os comerciantes argelinos que vem para ca e tal... hora e meia depois e passada debaixo dos pombos na avenida ja havia. No 5 andar, sem elevador nem WC, mas ja havia.

A gastronomia
Pizza. Pizza. Pizza. Qual couscous e merguez qual que. Passo sim passo sim ha pizza. Os couscous sao com peixe e coca-cola e imitacao. Ja consegui dois desarranjos desde que cheguei a Tunisia.

O Patrimonio
Mosaicos. O Museu do Bardo tem mosaicos romanos. Mosaaaaaaiiiiiicos. Todas as salas estao cheias de mosaicos. Aqui ja estava com a primeira desinteria e tambem fui conhecer os mosaicos da casa de banho. Nas ruinas romanas fomos logo usurpados de 5 dinars, mais um se queres tirar fotos. A guia disse que so fazia a visita se lhe dessemos mais. Nao demos. Fez-nos entao uma rapidinha, a correr pelo que restava da cidade romana subterranea. A medina e um pega nao te larga, cheia de made in china.

Pronto. Se amanha a mota ja tiver arranjo ou a seguradora ja tiver solucao, ja poderei talvez escrever umas coisas boas.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Tatouine - Na Paz das Estrelas

4000 kms depois

3962 kms depois de Alcantara, Lisboa, encontro El-Cantara, Djerba, na ilha turistica tunisina. Nao sei porque, mas ha 2 dias atras que a Indonesia nao me sai da cabeça. Cada vez que penso na Tunisia, na boca sai Indonesia. Os tunisinos sao simpaticos. As vezes. Como qualquer outro povo ja farto de turista pedante e pedestre, sabem que nao ha ou nao deve haver alternativa ao sorriso.

Pareço uma menina mimada. Aqui ja nao sou o centro das atençoes, ja passo sem acenarem, ja nao nos oferecem tanta coisa e é tudo caro, se compararmos com Argelia. Hoje so consegui uma caneta da gasolineira libia!!

Para tras ficou a primeira etapa - Argelia. O caminho foi feito de coincidencias e boa sorte. Em plena auto-estrada em Portugal, um tipo numa mota amarela acena e faz sinal de cafe. Penso, mais um que quer meter conversa (Pufff sei la, chatos estes fas....) Afinal saem mais dois amigos ja conhecidos de noites anteriores. Fazemos juntos o caminho ate Almeria, onde nas conversas se descobrem mais outras tantas coincidencias.

A travessia do mediterraneo
Eu a pensar que ia passar a noite de 9 horas, a bordo de um cangalho com boias, espremida entre um marroquino e um argelino, um a rezar, outro a cuspir, enganei-me. Paquete de luxo, com cinema e restaurante, esticadinha ao comprido nos bancos vazios, com direito a fruta fresca. Faltou a massagem aos pes, mas por aquela altura ja ninguem quereria aproximar-se das minhas meias.

Com Tiout no Coraçao
Argelia so indo la. A descriçao vai sempre ficar muito aquem. Oferecem-nos comida, dormida, prendas na rua, fazemos amigos por onde passamos. A paisagem é muito mais que paisagem. Do deserto para a montanha do lado direito, do esquerdo oasis e palmeiras. Se virmos com atençao, ate na mais arida vista, ha um argelino a espreita. 

A familia Safi Boamama em Tiout recebeu-nos de portas abertas, encheu-nos de figos e romas apanhados directamente das arvores, atafulhou-nos em couscous quase ate rebentar. E mal sabiam eles o que queria dizer boa mama!

Em Constantine fazemos mais dois amigos, Alexander e Mohammed. Passeiam-nos a noite pela cidade, dao-nos mais uma vez de comer. Sim, outro argelino simpatico, Rachid, tinha acabado de nos pagar o primeiro jantar. Sempre pensei que por estas terras iria emagrecer, mas graças a simpatia desta gente, ainda acabo por fazer o regresso a rebolar.

Hospitalidade, segurança, simpatia, honestidade, frango assado. é a minha definiçao da Argelia. Pelo menos na primeira etapa. Eu que em Portugal e Espanha so me apetecia frango assado, aqui ja quase me transformei em galinha. O cacarejo deve ser a proxima fase.

Couscous com peixe, ou nao
Passamos a fronteira para a Tunisia. Foi quase mais dificil sair do que entrar. Despertei demasiada curiosidade, e o tipo, ainda que sempre simpatico, embirrou com tudo - ate com o nome.

As estradas na tunisia nao tem muito para ver. A nao ser os quilometros de vendas de romas e de gasolina libia, esplanadas com ovelhas decepadas dependuradas e algumas ainda a espernear. Oliveira, policia, ovelha, oliveira, policia, ovelha pendurada, policia, oliveira, oliveira, oliveira, oliveira, oliveira, oliveira, ahhh e palmeiras!! O verso so tem graça em frances mas, em cada vilarejo uma mesquita (un mosque) e um banco de cambios (un poste).

Depois de mais uma passagem por mais umas ruinas romanas (deixei de contar mas ja devemos ter visto 3 coliseus, 5 banhos, 4 museus, 412 mosaicos romanos...), seguimos em direcçao a capital, Tunis. Mais uma capital "europeizada". O ponto alto da primeira noite foi quando numa esplanada pensei que um Tunisino me fisgava intensamente, sem tirar os olhos. O meu coraçao disparou quando ele se levantou e veio na minha direcçao de cartao na mao. Passou por mim... dirigiu-se ao frances que jantava sozinho mesmo por detras de mim, piscou-lhe o olho e disse-lhe em voz melosa de quem ja arranjou cliente... Bonsoir...

Ainda conseguimos fazer um amigo na garagem da mota, que nos levou a comer couscous e beber cerveja. Na tunisia os couscous sao com peixe, mas nao havia. Na medina havia sim tunisinos a impigirem coisas a cada passo. A troco de uma vista panoramica, la tive que trazer um perfume 100 por cento natural e a cheirar a rosa do deserto... é concentrado, meninas, por isso da para dividir por todas. é so juntar agua destilada...

Strip tease ao contrario
A derreter debaixo de sol, chegamos a zona de praias, passamos e seguimos para a ilha. Decidimos explorar e acampar nas dunas junto ao mar.Paradisiaco, nao fosse novamente os panisgas nudistas europeus, os tunisinos em busca de cliente, a chuva e o vento que se levantavam. Ainda assim, despi-me, o que de mota é uma tarefa bem mais complexa do que parece. Fui ao banho e consegui acertar com todos os bancos de calhaus dentro de agua. Visto-me, que é ainda bem mais dificil do que despir. No momento em que tiro a toalha da cintura para trocar o bikini pela cueca, em que estou de rabo espetado, em equilibrio num pe, sai um tunisino de tras da duna em direcçao ao portugues: 5 dinar monsieur, 5 dinar monsieur. E o "monsieur" ainda regateia o preço e diz: no no, 5 dinar cest beaucoup, e toma, da-lhe dois!!

Acabamos por achar que era melhor ir para o hotel. Com um calor de morte, decido lavar a roupa quase toda. Ja que dizem que na ilha nao chove e que nem de inverno a temperatura nao desce abaixo dos 15. Pois choveu a noite toda.

Na Paz das Estrelas de Tatouine
Rendo-me as viagens de mota. A curiosidade que desperta por onde passamos, a liberdade de escolhermos por onde vamos. Tenho os joelhos feito em papa, cheiro constantemente mal, a logistica é grande mas compensa. Chegamos a Tatouine, ja tarde para variar. Ate hoje ainda nao conseguimos acertar um dia com a hora certa. Hoje tambem ja fui confirmar que dia é, pois admiro-me de conseguirmos acertar com a data. Nao porque estejemos num planeta diferente, mas sim porque é cada um pior que o outro.

Tatouine nao tem nada para ver ou fazer. Tem turistas tambem. Tentamos encontrar a pista para um ksar mais inacessivel, mas onde sabiamos que se podia passar a noite em tendas berbere (algumas com TV por satelite e ar condicionado...). Era tarde, ja nao conseguimos. Perguntamos no hotel mais proximo, em frente ao parque dos dinossauros, o preço. 35 euros é caro... dizemos que queremos mais barato... oferece-nos o jardim do hotel por dez euros. Aceitamos! Ainda negoceio no valor a utilizaçao das casas de banho e escolho o canto mais simpatico. Vamos passar a noite sob as estrelas e as oliveiras de Tatouine.

Ao contrario do que esperava, nao vi nenhum maluquinho mascarado de Darth Vader, empunhando uma espada de laser. Mas amanha ainda é dia!

domingo, 10 de outubro de 2010

Ainda nao e desta

Ainda que perto da fronteira com a libia, a dormir perto dos crocodilos e a pagar aos tunisinos para me verem o traseiro, ainda nao é hoje que actualizo as cronicas. Mas promete!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O admiravel mundo argelino

Muito para contar mas e dificil acertar com as teclas... Gastas do uso e peganhentas dos cuscus. Seja como for, a primeira parte esta quase a acabar. Segue-se a etapa da Tunisia e depois o regresso novamente pela Argelia, mais a Sul.

Hoje, depois de largarmos os impermeaveis em Argel porque estava demasiado calor e ocupavam espaco, comecou a chover. Hoje, depois de dormirmos 5 noites nos albergues, sem agua ou sem agua quente, escolhemos um hotel modesto, mas com sanita. Hoje, e agua por todo o lado, porque o tubo da sanita nao veda. Hoje que tenho tempo, nao tenho teclas.

Toda a viagem tem sido uma descoberta. Tenho tido alguma dificuldade em encontrar palavras para descrever a simpatia que vem do coracao desta gente. Somos bem-vindos. Nos. Nao o nosso dinheiro. Alias, tem e sido dificil pagar alguma coisa. As noites nos albergues, os almocos, os chas, os cafes,... ha sempre um argelino de sorriso pronto e disposto a oferecer. Ou seja, continuamos na Boa Mama!

Temo que mais alguns anos esta genuidade se perca. Vou ter que encontra-las, as palavras, para a entrevista que vamos dar ao jornal nacional, El watan. Vou ter que saber dizer que a ideia europeia da Argelia nao pode estar mais errada. Que ao contrario do que os media e o nosso comodismo nos fazem crer, os terroristas na Argelia nao nascem das arvores, nem espreitam a cada esquina. As ovelhas e os policias sim. Mas e para dizer bem-vindos. Que no mundo islamico ha mulheres livres. Se calhar nao a liberdade que os meus olhos de mulher ocidental acreditam ser a ideal, mas ha. Que o Corao e muito mais do que rezar todo o dia, virado para Meca.

Tinha que haver razao para toda a gente vir exilar-se para ca. 2900 quilometros depois, ainda so vimos dois ou tres estrangeiros. Vimos um patrimonio historico e cultural incrivel, vistas formidaveis, deserto, montanhas, praia, cidades de deixar de boca aberta. Deve ser por nao fechar a boca que ando ha 3 dias com a garganta inflamada. Argelia e um museu vivo, com milhares de anos de historia, com muito bom clima, boa comida e gasolina barata. Mas sem duvida, o melhor da argelia sao os argelinos.

Acabei de ver uma barata que parecia uma tamara com pernas.

















 

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Boa Coragem e Boa Mama

Sinto-me o Papa. Desde que entramos em Ghazhouet que não paro de acenar. Os meus joelhos tambem parecem que foram a pe ate Fatima e o meu cabelo transformou-se em ninho de ratos. Por esta altura ja fizemos 1733 quilometros desde Alcantara, e outras tantas 1733 peripecias, mas tenho o tempo contado para escrever. Posso dizer rapidamente que o meu frances de roulotte melhorou consideravelmente, que se viajasse sozinha maior parte da bagagem teria que ser latas de atum. Mulher nao entra em restaurante ou cafe.

Estivemos refens num oasis, raptados por uma familia de terroristas sahari [os BoaMama], que nos obrigaram a comer couscous na festa de condolencias do patriarca. Vimos, e a bom portugues, tocamos em gravuras com mais de 100 mil anos cravadas de balas e acabamos a noite num casamento berbere. Ainda so estamos no terceiro dia. Serao mais vinte dias a cagar* de pe e a tomar banho de agua fria. Bon courage!!!

**[desculpem mas nao ha outra forma! Nao ha sanitas, so buracos no chao]

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Residencial Chaimite 45


 Viagem oficialmente patrocinada pela casa dos pais!!!!!! A Residencial Chaimite 45 oferece 3 depósitos à conta! (ainda que eu continue a pensar que o acto de beneficiência deve ser para assegurarem que temos gasolina suficiente para regressar a casa...)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Aisha no País dos Exilados

O Campeonato acabou. Dizem que foi um sucesso. Terá sido. O que me importa agora são os 50 dias úteis de férias por gozar. Lisboa - Almeria - Ghazouet - Tunis - Ghazouet - Lisboa, 5000 kms +/-. 25 dias. A moto (quase) pifou,  faltou o tempo para o visto, o amigo argelinou não enviou a carta como devia, a reserva do ferry não funcionou. E ainda nem partimos.

São dias que prometem, pelo menos mais do que outros. Porquê atravessar a Argélia? Porque nunca gostei de destinos fáceis. Porque mais que três dias estendida ao sol num qualquer paraíso viro frango no churrasco. Porque acho piada. Porque é possível. Porque tenho lá um amigo. Porque sempre gostei de construções na areia e música árabe. Porque têm uns chás porreiros. Porque é muiiiiito mais barato atravessar o Mediterrâneo por Almeria do que por Civitavecchia e Palermo.

A minha versão será a da pendura. A qual acredito que em muitos dias será a da pendurada! Se não resisto a 5 minutos de sofá, quero ver como é que me vou aguentar acordada sem me atirar para a estrada... A partir da próxima segunda-feira, as actualizações vão depender do cybercafé mais próximo. Até lá, só dependem mesmo do estado de preguiça mental que insiste em não ir embora.

Os exilados vêm a propósito de Niemeyer - entre outros que ficam para mais tarde, o arquitecto brasileiro, exilado em Paris à custa do seu comunismo desenhou a Universidade Mentouri de Constantine e a Mesquita de Argel. Agora só me falta saber se me deixam entrar.




quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Podia ser uma nefelibata magrebina!...

Está quase. 20 dias. Mais 20 dias, diminuo a probabilidade de ter um ataque cardíaco e aumento a esperança de vir a ter uma vida. E 11 dias depois começará a aventura magrebina, de outros tantos 20 dias e 5000 quilómetros a cuspir cuscus do aparelho dos dentes.

O bigode de Zeus

Estou literalmente em contagem decrescente, em modo campeonato, mas ainda assim consigo fazer umas breves pesquisas. Eu que já estava com ideias de ficar por lá exilada, descobri que nem nisto consigo ser original. Não é que Manuel Teixeira Gomes, 7º presidente da primeira república portuguesa, num puro devaneio literário e fartinho da política caseira, auto-exilou-se em Argel? Embarcou num paquete chamado Zeus, direito a Oran, na outra margem. A história tem muitas semelhanças e também havemos de passar 9 horas embarcados no ferry. Não tenho é bigode (pelo menos grande parte do ano), o veículo não se chama Zeus e tenciono regressar a casa.

Nefelibata magrebina

Descobri então que sou uma nefelibata. Nefelibata vem do grego "nephele" (nuvem) e "batha", (em que se pode andar). Aquela que "anda nas nuvens". Em literatura, diz-se do escritor que não obedece a regras literárias. É suposto tratar-se de uma pessoa idealista, que vive fugindo da realidade e que utiliza adjectivos menos simpáticos para qualificar aqueles que discordam dela. Também costumam achar que as suas ideias são extremamente progressistas. LOL. Ou seja, têm a mania que têm razão e só dizem disparate! Descrição perfeita.

A citação de Teixeira Gomes que me relembra o quanto as minhas páginas (minhas e dos outros) me fazem falta, e à conta da qual a wikipédia o refere como um escritor nefelibata: 

"A política longe de me oferecer encantos ou compensações converteu-se para mim, talvez por exagerada sensibilidade minha, num sacrifício inglório. Dia a dia, vejo desfolhar, de uma imaginária jarra de cristal, as minhas ilusões políticas. Sinto uma necessidade, porventura fisiológica, de voltar às minhas preferências, às minhas cadeiras e aos meus livros."

Isto para dizer que o senhor viveu e morreu em Bougie, onde parece ter direito a monumento, a uma praça e uma escola em Argel.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Bachata berbere

Diz-se por aí que a possibilidade de ir de férias entre camelos é grande. Não estando ainda totalmente definido o itinerário de passagem e paragem, só posso adiantar que já ando a treinar os passinhos de dança. Sim, já sei. No norte de áfrica não há camelos. São dromedários. Os camelos (se tudo correr bem) ficam cá todos.

Agora por favor sigam as instruções, com boa disposição:

1- Levantem-se, com os dois pés no chão, e ponham o som bem alto
2 - Cliquem no link em baixo e tentem mesmo fazer o mesmo

Link - Oh pra mim a dar à anca, ao lenço, às saias, às camisas,...

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Nikita em Pantufas

A pantufa de Nikita

Nikita aconchega-se na chaise-longue azul turquesa meio petróleo, equipada com a mais moderna tecnologia anti-ciclone: as pantufas armadas com berloques laterais e estampado frontal. Enquanto se queima, língua e dedo, em mais uma chávena de chá, e com o silêncio apenas quebrado pelo som da nostalgia ou do sporting a ganhar pela primeira vez na época, Nikita estremece e recorda aqueles momentos em que conseguiu escapar às garras de um destino gélido e tortuoso, perdida nos formulários bielorrussos, ou aquela vez em que as águas movediças do pinhal de leiria estiveram prestes a engoli-la, com carrinha e tudo...

...Da Bielorrússia com amor, e gripe.

Com quatro dias de antecedência, e a caminho de um casamento em Madrid, descobri que tinha que ir para a Bielorrússia. Pacífico. Não fosse ser a última ditadura da Europa e a viagem teria muito menos piada. Fora da comunidade europeia, zonas euro e espaços schengen, a perspectiva da tragico-comédia melhora bastante. Os 3 graus de temperatura à noite deram-me uma inflamação na garganta e 6 dias de cama. É. Diz que a Nikita não se deu bem com o sopro de leste e já só se pôs de pé à conta de esgotar o antibiótico e a paciência do médico grego. Apesar dos esforços e da simpatia do rapaz, só melhorou quando o autocarro de regresso ao aeroporto estacionou à porta do hotel.

37 horas e 74 formulários depois

Da maneira que saíam atrás umas das outras, as proezas e as desgraças, sentia-me de facto no país das matrioskas. De Lisboa ao Porto em comboio, do Porto a Frankfurt em avião atrasado para o voo de ligação a Varsóvia. Quando aterrámos, já tinha dado a volta à Europa por telefone para por fim conseguir que a embaixada da Bielorrússia na Polónia conseguisse passar 15 vistos de entrada. Faltava ir à embaixada pôr os vistos de todos no passaporte e fazer os seguros para conseguirmos passar a fronteira para Brest, em autocarro. Como é esperado, ninguém na embaixada falava inglês, eu não falo bielorrusso. Gestos, desenhos e uma garrafa de Porto estrategicamente metida na mala, garantiram os documentos já depois da hora de fecho. Ainda tive que ir a um pequeno bosque (sim, bosque) ao lado, para fazer os seguros de entrada numa pequena casa de madeira.

Nesta casa no meio da mata estava uma gorda sentada ao computador, com uma caixa de dinheiro e pilhas de dossiers de formulários. Qual bruxa na casinha de chocolate, a bielorrusa fechou-me lá dentro e forçou-me a preencher e assinar 45 formulários. Após a tortura, regressei ao aeroporto, descansada, a pensar que o pior já tinha passado.

Mas não tinha. Era noite e ficámos 4 horas parados na estrada pela polícia polaca, prenderam o motorista e levaram o autocarro. Deixaram-nos num hotel de berma de estrada até que apareceu novo autocarro. O excesso de horas de condução do homem e mais alguns problemas com documentos puseram mais um percalço na viagem. Entrei no autocarro, descansada, a pensar que o pior já tinha passado. Mas não tinha. Era noite e ficámos 3 horas parados na fronteira pela polícia bielorrussa. mais formulários. Entrei no autocarro, cansada. Paragem na segunda fronteira. Mais formulários. Desta vez já só foi meia hora e fui identificada pelos dentes. O guarda entrou, pegou nos passaportes e foi verificar um a um. Quando chegou a mim, eu já não sorria. Ele desconfiou. Sorri. E ele disse ahhhhh!... é que assim já estava igual à fotografia, com as bochechas para cima e os dentes de fora.

Saí de Lisboa numa segunda-feira às seis da tarde, entrei no hotel em Brest quarta-feira às seis da manhã. Pediram-me novamente os passaportes e mais formulários. Deitei-me. Da cama saíram mosquitos. Os que não voaram é porque já estavam mortos. A torneira da banheira era a mesma do lavatório. Os restantes 6 dias, como já se sabe, passei-os a trabalhar na cama.

Nikita passeia na lama ou as 24 horas de Pataias

Por falar em longas paragens no meio do nada, Nikita já de regresso à pátria reencontra o Robin e vão passear com o bando para a floresta. Umas dez motas e uma carrinha todo-o-terreno por trilhos nunca dantes navegados. Curva à esquerda a 90 graus no meio dos eucaliptos. Missão impossível para a Strakar. Vamos em frente, digo eu, direitinhos ao lamaçal escondido por debaixo da cama verde de folhas, raízes e terra. A carrinha enterra-se em segundos até ao eixo. Eu, até às orelhas, com a vergonha do disparate que tinha acabado de dizer.

Vieram as motas, e nada. Vieram os bombeiros, e nada. Pior. Atascaram também o tanque de 10 toneladas que tiveram a inteligência de trazer. Depois dos bombeiros conseguirem bloquear o caminho de saída, chegou a retroescavadora. Que se enterrou também no único espaço livre que havia para sair. Chegou o reboque da lenha, para puxar a retroescavadora, que por sua vez puxava o carro dos bombeiros, que por sua vez não se mexia um mílimetro. A embriaguez do tipo que conduzia o reboque levou-o a desatinar com o bombeiro, a virar costas e ir embora sem tentar tirar a carrinha. A retroescavadora também desistiu. Veredicto: 1 carrinha, 10 motas, 1 carro dos bombeiros, 1 retroescavadora e 1 reboque da lenha atolados ou empatados no meio do pinhal de Leiria, na mata de Pataias. 24 horas depois saiu.

Os planos próximos, que certamente vão degenerar nas Desventuras de uma Alforreca, incluem acabar o curso de mergulho, plantar uma árvore e ir até Lyon. Penso que mais umas semanas e começaremos a ter noção real dos efeitos da privação prolongada de nicotina no cérebro humano. Há 4 meses sem fumar!!!!