quinta-feira, 9 de março de 2006

La Esquina de la Super Chica II

É 1 da manhã. Acabaram-se os cigarros e o desodorizante. Comecei a escrever estes episódios ontem mas dei por mim a bater com a cabeça no teclado e só agora tenho tempo para tentar outra vez manter afastada a testa das teclas. Com uma testa destas não é fácil… e provavelmente só consigo enviar amanhã. Vem a Internet vai a luz.

Ora fiquem a saber que energias acumuladas podem ter efeitos trágicos. Depois de ajudar a brasileira que anda aqui de gorro e cachecol a servir-se de um café com leite na máquina que finalmente após uma semana foi posta a funcionar, entrei em curto-circuito com a dita (a máquina, não a brasileira). Consegui provocar uma descarga eléctrica, rebentar com a corrente e ficar sem beber o meu desesperado expresso.

México definitivamente não é Acapulco. Algumas estatísticas oficiais:

- maior concentração de pessoas a dormir no chão por metro quadrado. 2 em cada 3 dormem descalças e 3 em cada 3 optam pelo conforto do alcatrão quente, bem encostadinhos ao passeio (deve ser para não caírem); Ah! E espreitem bem debaixo dos camiões que encontram um ou outro. Com sorte assistem à la siesta com direito a almofada.
- 2ª Profissão com maior implantação nacional: engraxador de sapatos. 1º lugar: engraxador de turistas;
- Mais alto nível de especialização no trabalho: La chica de hoje no cabeleireiro só fazia cabelos lisos. A dos encaracolados vem à quinta.

Portanto, esqueçam todas as ideias que possam ter sobre os mexicanos, cabeleireiros ou sobre o Presidente da Federação de Futebol da República Dominicana. O homem consegue tirar do sério o índio mais pachorrento que encontrar. O tipo político, que fala muito e não diz nada, que se quer fazer de desentendido enquanto tu trabalhas. Em qualquer Federação devia ser um requisito para ocupação do mais alto cargo saber que as etiquetas têm uma parte de trás que se descola e conseguir dividir uma cartolina em 9 colunas e 5 linhas com o tempo limite de 45 minutos. Quase que não ia acabando bem.

Maracas de Néon

Os contrastes e contradições destas 25 milhões de pessoas são um fenómeno digno de reflexão, bem acompanhada por uma Índio ou Leon, se possível ao som de todo o teatro cantado dos mariacchi, que foi onde acabámos todos na noite passada. Foi um momento muito esperado de descontracção nocturna. Para uns provavelmente demais. Houve quem andasse a imitar um macaco e um cão nas ruas da Cidade do México. Ah pois é!... Nem todas as romenas são como se imaginam… Esta chama-se Anca! Acreditem, faz justiça ao nome.

Voltando aos contrastes: a cultura azteca e a do néon vivem em perfeita harmonia. Até maracas fluorescentes se podem encontrar entre os cigarros, chocolates ou flores que apregoam os vendedores no trânsito, ou se preferirem, os Qué Frô mexicanos.

Tive também oportunidade de assistir a um ensaio de rua de danças hispano-americanas aztecas. Basicamente, são danças ritualizadas e dedicadas aos elementos que representam o Deus Sol e outras divindades. Hipnotiza. Transpira. O som, o cheiro e a energia são contagiantes. Dançam em volta da praça não-me-lembro-o-nome pois assim estão muy próximos das ruínas do Templo Maior, local vital, energético. Cada mês tem um ritual diferente e a grande festa em que todos os grupos e rituais se juntam é a 13 de Maio…Agora fiquei com um dilema.de peregrinação: Fátima ou México?... O curioso é que os contrastes aqui não se ficam pela superfície. Por baixo de todo o centro da cidade jaz uma outra cidade imensa, onde antes havia um lago.

Mais um inchaço

Passou do tornozelo para o ego. A generosidade das palavras caribenhas é digna de registo mas não aqui. Parecia mal. Digamos que o espanhol da Guatemala, Uruguai, México, Puerto Rico, Equador, Chile, Panamá, Cuba, Honduras e Aruba entende-se bastante bem. O que não vale uns pins, habilidades informáticas e 2 transformadores de corrente…

Amanhã ou hoje, conforme a hora a que a luz voltar, temos jantar de gala. Espero que o do Chile perceba que isso quer dizer que não pode levar os clips cor-de-rosa a fazer de bainha nas calças do fato mostarda…

Auto Trampa

Tenho a certeza que amanhã entro na fase do massacre. Os gatos pretos até já me perseguem de dia e um deles descolorou. Provavelmente passou muito perto do monte de merda com a minha altura que está no meio do caminho para os quartos. (Pronto. Ok. Assim sendo não é assim tão grande, já sei…) Pergunto eu: será que os srs. não tinham outro sítio para guardar o estrume????

Ahora me voy. Vou por o CD que pirateei do angolano, comprado cá, que recheadinho de salsa, e vou fazer voltas pivots debaixo do cobertor. Sim. Porque hoje é Quarta-feira! E nem um tremocinho para comemorar a vitória do Benfica…

segunda-feira, 6 de março de 2006

La Esquina de La Super Chica I

Estes são os primeiros episódios de uma telenovela mexicana que se prevê chata e demasiado saudável. Sim. Saudável. Sem tequilla, corona ou café expresso para aguentar as 6 da manhã todos os dias, com 12 horas de aulas sem perdão, não há muito mais a fazer para além de praticar o portuñol (vai sair daqui perfeito), reparar em pormenores idiotas e tentar não desesperar com a falta de comunicações. Não há um telefone para onde nos possam ligar, as cabines públicas funcionam após 37 tentativas e temos um tipo de ligação à internet muito própria. Conhecida nestas quatro paredes e meia janela como Internet Vai-Vem.

Depois de 11 horas de viagem e um tornozelo de elefante chegámos ao Centro Desportivo do Comité Olímpico Mexicano, na periferia da cidade. Sem dúvida um povo atencioso, prestável, de coração aberto e mãos estendidas ao que puderem apanhar.

Adoptada por 3 Mexicanos

O pouco que pude ver da cidade até agora impressiona. Pela diferença, pela grandeza, pelo cheiro, pela poluição, pela quantidade de pessoas. Imaginem o Martim Moniz em dia de feriado nacional na Índia e Paquistão, multipliquem pela quantidade de pombos no Rossio (ou na praça de S.Marcos em Veneza…) e aí têm uma aproximação da asfixia mexicana. Os 30 cm de espaço individual a que estamos habituados não existem nas ruas da Cidade do México. Pelo menos nas rua por onde andei.

Os 3 mexicanos que me adoptaram (Pedro, Jesus e Carlos) escoltaram-me nesta pequena incursão. Só me deixaram ir com eles ao centro da cidade porque no estaba muy aparatosa… pediram-me que fizesse um ar descontraído e nunca os perdesse de vista. Lá fui com a Santíssima Trindade comprar transformadores de corrente e adaptadores porque como é óbvio ninguém se lembrou que a coisa aqui é um bocadinho diferente… Um ficou na carrinha e dois saíram comigo. Tive que deixar a mochila e levar apenas o porta-moedas e sempre com a mão no bolso (para me certificar que de lá não saía). Achei tudo isto normal para uma cidade com um dos maiores índices de criminalidade até que vi um deles a tirar o próprio relógio e a deixá-lo também na carrinha. Aí comecei a ficar um pouco preocupada e fiz a pergunta idiota: as ruas são assim mesmo tão perigosas?? Tive um sorriso como resposta, uma troca de olhares entre os meus dois seguranças privados e después: “no… mas um fica sempre à tua frente e outro sempre por trás (vá… nada de piadas!). Não nos percas de vista e se por alguma razão isso acontecer assobia.”

Explicação: fomos a uma das zonas bastante perigosas. Não é assim em todas as colónias (bairros). Não vale a pena descrever o caos do trânsito. Basta dizer que vou sair daqui com a nítida sensação de que os mexicanos são daltónicos. Onde está vermelho vêem verde.

La Esquina de La Super Chica

Acabámos por nos encontrar novamente com a carrinha (entrámos no meio da estrada) en la esquina de la super chica, ou seja, onde eles tinham fixado anteriormente uma grande senhora, em todas as medidas, com uma t-shirt do Super-Homem. Podem imaginar o tamanho do logotipo na t-shirt, né?... E como os próprios não sabem o nome das ruas, entendem-se assim.

Depois da aventura fiquei a saber duas coisas: que a cidade tem muitas igrejas pois os espanhóis quiseram impor a sua religião e por cima de cada templo dos nativos, construíram uma capela ou construção semelhante. E que os transformadores não servem para nada e claro que as lojas mexicanas não fazem trocas nem devoluções. Manias de quem acha que percebe muito da coisa. Afinal bastavam os adaptadores.

Gatos Negros

Se gato preto é azar, estou sem sorte nenhuma. Enroscam-se três de cada vez nas pernas quando saio para o meu momento zen da noite. Fico à porta do dormitório masculino a impregnar ainda mais os meus pulmões com uma boa dose de nicotina. Masculino, pois claro. Para variar, não tinham quarto preparado para mim no feminino e então fui mandada para os fundos da Villa Veronil.

Dias conturbados

Quem andar a tentar fazer uma dieta mais vegetariana esqueça o México como destino de férias. Carne, carne, carne. Já decidi. A partir de amanhã vou passar fome. Carne três vezes por dia, chili e molhos de todo o tipo três vezes por dia, rebenta com a sanidade intestinal de qualquer um.

Análise FODA

Passo os dias completos enfiada na sala de aulas a tentar manter o meu padrasto acordado. Imaginem que têm 12 horas de aulas EM ESPANHOL de olhos fechados. Não é fácil. Mas também temos momentos de descontracção. Como por exemplo, quando os espanhóis insistem em utilizar o termo FODA mesmo após ter-lhes explicado o que significava em Português, e continuam a dizer bem alto várias vezes: estoy haciendo una foda o hay hacido muchas fodas com nuestros compañeros… ok ok. Passo a traduzir: FODA são as iniciais de um tipo de análise das organizações que é comum denominar SWOT (Strengths, Weaknesses,Oportunities and Threaths). Mas os nossos amigos como são pouco amigos do inglês, embirram em usar Fortalezas , Oportunidades, Debilidades e Amenazas. Alguns optam por DAFO. Mas como um dizia por lá, e verdade seja dita, depois de 3 dias a fazer análises DAFO, já é mesmo uma FODA.

Próxima viagem: Guatemala

O Vice-Presidente do Comité Olímpico Guatemalteco está encantado com o desporto adaptado português e em especial com o seu Presidente. Já está a fazer planos de alojamento para el Presidente, su mujer e su muy competente assistente. E fiquei a saber que Catarina na Guatemala é o cárter do motor… enfim…

Luta pela sobrevivência

Domingo é um dia especial. Domingo está tudo fechado. Ou meio aberto. A minha mãe resolveu aventurar-se pela colónia dos periodistas e ir à pelluqueria onde tínhamos estado ontem a cortar a barba de Sr. Ten. Cor. para tentar arranjar o cabelo. Ficou a saber que a chica que lo hace solo trabaja Domingo Si Domingo No. Estamos num Domingo Não. Tanto és assim que o refeitório onde comemos todos os dias fechava às 8 e ninguém avisou. Entrei por acaso às 8h30 e o empregado já estava fugir com os carros da comida. Tentei pará-lo com conversa. Expliquei-lhe que não sabia. Expliquei-lhe que se levasse o carro da comida eu não ia jantar porque não há outro sítio. Implorei. Nada. Impedi-lhe a passagem, agarrei o carro e fiz o meu melhor sorriso. Consegui. Carne outra vez, claro.

Agora vou por as lentes de contacto de molho nas tampas das garrafas de água porque me esqueci da caixa própria, respirar fundo e adormecer. Até à próxima vez que me conseguir ligar.