quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Pocinho Bay 19.12.06 6h58 a.m. -2º Exterior +24º Interior

Hoje decidi começar a escrever bem cedo. Não dei de caras com nenhuma musa (muso?) inspiradora nem despertei com uma vontade indomável de dar asas à caneta. O que se passa é que caí da cama à hora que me costumo deitar, já apanhei 3 transportes públicos e esperam-me -2 graus no destino.

Manhãs Olímpicas

De facto, gastar dinheiro na inscrição de um ginásio quando tenho manhãs tão desportivas? Ora vejamos:

4h15 - 1ª Sessão de Luta com o despertador 1
4h20 - 1ª Sessão de Luta com o despertador 2
4h25 - 2ª Sessão de Luta com o despertador 1
4h30 - 16ª tentativa de Levantamento de Peso próprio
4h35 - Salto em altura para fora da cama
4h45 - 50m barreiras para amblíopes até ao W.C.

4h45/55 - Mergulho em Apneia em água a ferver. Começar a pensar em fechar a torneira

5h05 - Desporto Aventura: conseguir vestir 3 camisolas, casaco, cachecol e sim, confesso, collants!!

5h15 - Automobilismo e Xadrez

5h30 - Início do percurso de (Des)Orientação entre Paço d'Arcos e Stª Apolónia, com direcção a Foz Côa, com apenas uma (esperemos!) paragem intermédia no Porto - Campanhã.

Catarina Rebelo Pinto

Antes que seja acusada de auto-plágio, existem de facto temas recorrentes nestas viagens, que pelo incómodo que provocam continuam a justificar a sua presença. Ultimamente tenho tido algumas reservas com os revisores da CP, momentos já assumidos publicamente na Carruagem 23 - Expresso da Pampilhosa. Hoje tive já mais uma evidência de que estas reservas estão para durar e podem evoluir para situações traumáticas. Esclareço: traumáticas para eles.

Não é que este, e faço questão de identificar - Comboio Cascais-Lisboa, paragem às 5h51 em P'Arcos - cada e todas as vezes que as portas abriam mostrava-nos o mais intímo de si, com sonoras cuspidelas ou mais para ser mais precisa no som, cuspicarras. Pelo sincronismo do acto diria que, sem dúvida, trata-se de uma esperança olímpica que evidencia já longos e árduos períodos de treino. Pode-se mesmo dizer que a precisão e o alcance do lançamento é mais para o tiro ao alvo.

Apesar do sono e da indignação estampadas na cara tive que ser mais expressiva e abrir os olhos até quase os revirar. Resultou. Fez uma cara esquisita, não me pediu o bilhete e mudou de carruagem.

Pensei eu: ganhou vergonha na cara.
Errei eu: foi praticar para a carruagem seguinte!! Não pude evitar pensar no Baltazar e no Melchior sentados na estação de Belém...

Xôôôôôôôôôôôôôôôô!

Vou remar com as pinturas rupestres. Não serão gravuras, nem rupestres, nem eu tenho qualquer intenção de me meter dentro de água, nem me devem querer no mesmo barco. Se a minha fama já chegou ao Centro de Estágios do Pocinho já devem ter criado um perímetro de segurança. Era bom que para além de Pernas Inquietas sofresse também de Dedos de Rei Midas, mas o caso é mais: onde toco, estrago. Lista de reparações do último mês:

2 computadores, 1 carro, 1 farol médio, 2 máquinas de café, 1 telefone, 1 auricular, 1 fax, 1 fotocopiadora, 1 portão e 2 Cds

Como diz o meu editor, eu não estrago nada. Estou só a ajudar as coisas que estão em mau estado a serem reparadas mais depressa... Um optimista, não é?

Após uma hora o comboio ainda segue viagem, sem demora ou avaria aparente. Devo estar a perder qualidades. Não se vê a ponta de um revisor lá fora, o termómetro aponta um frio de rachar, mas valha-nos saber que se olharmos bem pela janela conseguimos abstrairmo-nos do cheiro que vem do vagão-restaurante e admirar as paisagens do Portugal sujo, degradado e às vezes profundo. Pois é. Fica para outra vez. Vou dormir. Profundamente.

Acordei a 3 minutos de Campanhã, com as lentes coladas aos olhos e uma dor de costas colada ao vidro, fruto da ginástica acrobática que me vi obrigada a fazer para encontrar uma posição silenciosa.

Estalactite Humana

Depois de passar todo o dia sentada a assistir aos treinos e testes do grupo de apuramento, a vê-los suar, gritar e remar, estou cansada. E congelada. Coisas interessantes a acontecer: nada mesmo. Volto quando tiver assunto. Até lá deixo dois episódios memoráveis e ainda não divulgados:

1. Agosto 2006 Campeonato do Mundo de Remo, Londres, o tal que não tive tempo de escrever. Graças à insistência em sacar uma foto à residência do Sr. Blair, quase que 2 portugueses e meio ganhavam uma noite nos calabouços da rainha. Ainda tentámos que os dois simpáticos e nada nervosos elementos da polícia do corpo diplomático e respectivos reforços armados nos levassem a jantar depois de termos sido identificados como envolvidos em actividades suspeitas de terrorismo. Tenho a certeza que se tivéssemos tido tal escolta, o porteiro do Tuga não teria tido tanta facilidade em expulsar-nos do restaurante, mais tarde nessa mesma noite. Ah! E o meio português não sou eu. É um amigo meio português, meio inglês!

2. Dezembro 2006 Conversa irreal, surreal, sobrenatural, à porta da Federação, com a pedincha de serviço. A troco do "dá-me 1 cigarrinho" do costume resolveu desejar-me as boa festas com uma descrição pormenorizada da infecção urinária que teve e que, segundo a própria e para que não hajam dúvidas, passo a transcrever: "Juro-te, amiga...Cheirava a podre. Logo eu que se for preciso lavo a pachachinha 3 ou 4 vezes por dia".

Mais pormenores são perfeitamente dispensáveis e têm muito mais piada contados ao vivo, imitando a voz fanhosa, os dentes a dispersarem pela boca e o gesticular que ainda resta de uma vida muito mais podre.

O meu dom voltou. Acabei de estragar a minha pen drive e o rato do director técnico nacional.

terça-feira, 21 de novembro de 2006

La Consagrada Família – Parte Não Quero Ir Para a Suíça!!

Museus, catedrais, feiras, jardins, praias, parques, teatros. Restaurantes, cafés, concertos, óperas. Partam da Praça de Catalunya e percorram La Rambla ! Vão ficar deslumbrados e com a quantidade de indianos que se dedicam ao comércio, porta sim, porta sim. Depois, sigam pela Joan de Borbó, escolham o vosso caminho à esquerda. Qualquer um deles vos vai conduzir à areia e ao mar.

A fervilhar de actividade noite e dia, La Rambla é um paraíso para os olhos com estátuas humanas, músicos, caricaturistas, bancas, pequenos mercados com ramos de flores e periquitos barulhentos. Vende-se tudo. Desde jornais a vídeos pornográficos.

Nunca menosprezem o poder da vossa imaginação. Para todos os que neste momento estão um pouco perdidos ou a ter um sentimento de dejá vu, confirmo. Os dois parágrafos anteriores saíram agora mesmo da mais recente edição do Guia American Express – Top 10 Barcelona, o meu melhor amigo por estes dias. Os meus pezinhos ainda não deixaram Sant Cugat. Aqui continuo enfiada, eu e mais 21 sul-americanos desesperados com o frio que faz lá fora e com o calor que nos entorpece cá dentro.

Mais um para o caso clínico

Parece que sofro de mais um síndroma, a juntar ao das Pernas Inquietas e muitos outros ainda não descobertos. Síndroma do Aeroporto. Londres, Paris, Madrid, Barcelona, Amesterdão, Atenas, Bruxelas. Conheço sempre muito bem os aeroportos e os locais onde vou trabalhar, mas as cidades em si, demasiado pouco, chegando mesmo ao limite do ridículo.

Falando do meu estado de saúde, é caso para dizer que o excesso de ar condicionado me está a matar! De tal forma que ontem, para além de jorrar um chorrilho de disparates e calinadas em portuñol, o meu nariz resolveu marcar presença e brindou-me com um contínuo fluxo de sangue. E foi este o ponto alto da estadia por aqui.

Agora sou eu que tenho o Dejá Vu

As aventuras com as máquinas de café continuam a preencher os meus dias. Tenho mais uma alcunha para juntar ao rol: Peligrosa. Sempre que me aproximo de uma máquina de café, ou deixa imediatamente de funcionar, ou sai só água sem café, ou o açúcar acaba ou as moedas não entram. A juntar à história do carro, imaginem como estou a servir de gozo para esta gente. Mas pronto. Assim pelo menos divertem-se e tentam manter-se despertos. Temos que ser úteis à comunidade. Ah! Desde que mudei para o chá, não tenho tido mais problemas. Só diuréticos.

Competição al Pasillo

Estamos todos instalados no mesmo piso. Vaguear por pelo corredor (pasillo) durante a noite pode ser uma experiência encantadora pois as paredes parecem papel. A competição directa é entre o 427 e o 431. Bulgária e Portugal lutam incessantemente pelo primeiro lugar no pódio do ronco mais forte. No 429 temos Antigua e Barbuda, hiperactiva, hipergestual, a passar a ferro e a pentear-se desde as 5 da manhã. No 426 temos kizomba. Para que fique bem claro, eu estou no 428!

A noite de amanhã promete. Vamos jantar a Barcelona. Mais uma tentativa de pseudo-crónicas para a sobremesa.

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

A Consagrada Família

Hoje foi dia de Santa Gertrudes. A sério. Mas para quem conhece a Sagrada Família em questão, sabe que Gertrudes rumou para Barcelona, de santidade partilhada com outros dois dignos representantes dos Céus. Para quem desconhece o enredo familiar, Maria Gertrudes, de seu diminutivo Tucha, António Neves, seu marido, estão confortavelmente a dormir num quarto do outro lado do corredor, enquanto eu, a filha, a verdadeira santa, faz por ter o trabalho todo acabado antes que a Internet decida que já passa da hora de expediente. Fiz um upgrade. Da Internet Vai-Vem Mexicana passámos à Internet Cinderela. À meia-noite em ponto tem que recolher aos aposentos senão corre o risco de se transformar em Código Morse.


Ela japonês, não ela?...

Mas desta vez a crónica da viagem começa bem antes de partir. Para a despedida, a junta da cabeça do motor, ou a cabeça da junta do motor (nunca acerto), teve morte súbita em plena auto-estrada de Cascais. Sem hipótese de reanimação, o que significa que os planos comemorativos do primeiro cheque ao serviço do sistema desportivo português foram por água abaixo. Neste caso, por molho de soja com wasabi abaixo pois a ideia era entupir-me de sushi até o japonês me expulsal. Há medida que o tempo passa, há verdades que se tornam mais evidentes. Todos temos um destino, uma missão, certo? Pois é. A minha deve ser aperfeiçoar a capacidade magnética para acontecimentos bizarros, imprevistos e absurdos. E quero acreditar com muita força que afinal tudo isto tem um propósito. Ainda não descobri qual é, mas pelo menos até lá tenho a garantia que não tenho um dia igual ao outro.

Nem um joelho igual ao outro. O direito foi violentamente agredido em pleno voo pelo carrinho do chá. Mais um verdade que se revela evidente com o passar do tempo e o acumular de viagens: nunca dormir profundamente com o joelho virado para fora num corredor de um avião de uma companhia aérea de baixo custo. O que não nos cobram no bilhete, pagamos em tratamentos osteopáticos.

Café Silvester

Depois de mais uma viagem típica, aterrámos e pensei. Barcelona. Picasso. Miró. Sagrada Família. Ramblas. Salsa. Rapidamente as minhas ilusões caíram por terra. Estamos em retiro espiritual fora de Barcelona, cujo único acesso ao centro da dita é um comboio que tem por última viagem de regresso as vergonhosas 23 horas… assim não há condições!!!

Assim que chegámos fomos tentar afogar as mágoas em café. É e será sempre a primeira inspecção obrigatória. Pedi três, curtos, expressos. A senhora que até então estava de costas, vira-se e é então que tenho a revelação: Silvester Stalone ou tem uma irmã ou fugiu para Barcelona onde a operação de mudança de sexo não correu bem e neste momento tenta não mergulhar na depressão, servindo cafés, iogurtes e sandes de presunto, a atletas adolescentes. Garanto que até estava bem disposto e parece encarar a situação com alguma naturalidade.

Por falar em hormonas, acabei de descobrir um escritor que parece prometer encher mais umas quantas prateleiras lá em casa: Júlio Cortázar, argentino. Sofria de uma doença (?????!!!) que manteve o seu aspecto jovem até morrer com 80 e tal anos. Ai que chatice. Bolas. Coitado. Que maçada. Parece que as suas alunas, conduzidas pelo engano da pele, se apaixonavam perdidamente. Francamente. Que indecência. Onde é que já se viu uma coisa destas?? Mulheres jovens ou menos jovens a apaixonarem-se por um homem de 80 anos sem ser pelo seu dinheiro, mas sim pela sua aparência e aparente lucidez literária?? Que horror.

Os contos parecem-me suficientemente alucinantes para me divertirem. Amanhã começam as aulas. Vamos ver o que nos reservam os próximos dias. Tenho recebido reclamações quanto à distribuição e divulgação das crónicas anteriores. La esquina de la super chica (Parte I e II) e Carruagem 23 - O Expresso da Pampilhosa. Quem não recebeu, faz favor de por o braço no ar.

A Consagrada Família

Hoje foi dia de Santa Gertrudes. A sério. Mas para quem conhece a Sagrada Família em questão, sabe que Gertrudes rumou para Barcelona, de santidade partilhada com outros dois dignos representantes dos Céus. Para quem desconhece o enredo familiar, Maria Gertrudes, de seu diminutivo Tucha, António Neves, seu marido, estão confortavelmente a dormir num quarto do outro lado do corredor, enquanto eu, a filha, a verdadeira santa, faz por ter o trabalho todo acabado antes que a Internet decida que já passa da hora de expediente. Fiz um upgrade. Da Internet Vai-Vem Mexicana passámos à Internet Cinderela. À meia-noite em ponto tem que recolher aos aposentos senão corre o risco de se transformar em Código Morse.


Ela japonês, não ela?...

Mas desta vez a crónica da viagem começa bem antes de partir. Para a despedida, a junta da cabeça do motor, ou a cabeça da junta do motor (nunca acerto), teve morte súbita em plena auto-estrada de Cascais. Sem hipótese de reanimação, o que significa que os planos comemorativos do primeiro cheque ao serviço do sistema desportivo português foram por água abaixo. Neste caso, por molho de soja com wasabi abaixo pois a ideia era entupir-me de sushi até o japonês me expulsal. Há medida que o tempo passa, há verdades que se tornam mais evidentes. Todos temos um destino, uma missão, certo? Pois é. A minha deve ser aperfeiçoar a capacidade magnética para acontecimentos bizarros, imprevistos e absurdos. E quero acreditar com muita força que afinal tudo isto tem um propósito. Ainda não descobri qual é, mas pelo menos até lá tenho a garantia que não tenho um dia igual ao outro.

Nem um joelho igual ao outro. O direito foi violentamente agredido em pleno voo pelo carrinho do chá. Mais um verdade que se revela evidente com o passar do tempo e o acumular de viagens: nunca dormir profundamente com o joelho virado para fora num corredor de um avião de uma companhia aérea de baixo custo. O que não nos cobram no bilhete, pagamos em tratamentos osteopáticos.

Café Silvester

Depois de mais uma viagem típica, aterrámos e pensei. Barcelona. Picasso. Miró. Sagrada Família. Ramblas. Salsa. Rapidamente as minhas ilusões caíram por terra. Estamos em retiro espiritual fora de Barcelona, cujo único acesso ao centro da dita é um comboio que tem por última viagem de regresso as vergonhosas 23 horas… assim não há condições!!!

Assim que chegámos fomos tentar afogar as mágoas em café. É e será sempre a primeira inspecção obrigatória. Pedi três, curtos, expressos. A senhora que até então estava de costas, vira-se e é então que tenho a revelação: Silvester Stalone ou tem uma irmã ou fugiu para Barcelona onde a operação de mudança de sexo não correu bem e neste momento tenta não mergulhar na depressão, servindo cafés, iogurtes e sandes de presunto, a atletas adolescentes. Garanto que até estava bem disposto e parece encarar a situação com alguma naturalidade.

Por falar em hormonas, acabei de descobrir um escritor que parece prometer encher mais umas quantas prateleiras lá em casa: Júlio Cortázar, argentino. Sofria de uma doença (?????!!!) que manteve o seu aspecto jovem até morrer com 80 e tal anos. Ai que chatice. Bolas. Coitado. Que maçada. Parece que as suas alunas, conduzidas pelo engano da pele, se apaixonavam perdidamente. Francamente. Que indecência. Onde é que já se viu uma coisa destas?? Mulheres jovens ou menos jovens a apaixonarem-se por um homem de 80 anos sem ser pelo seu dinheiro, mas sim pela sua aparência e aparente lucidez literária?? Que horror.

Os contos parecem-me suficientemente alucinantes para me divertirem. Amanhã começam as aulas. Vamos ver o que nos reservam os próximos dias. Tenho recebido reclamações quanto à distribuição e divulgação das crónicas anteriores. La esquina de la super chica (Parte I e II) e Carruagem 23 - O Expresso da Pampilhosa. Quem não recebeu, faz favor de por o braço no ar.

sexta-feira, 29 de setembro de 2006

Carruagem 23 – O Expresso da Pampilhosa

Começo já por pedir um desconto pois estas linhas estão a sair ao som da 17ª repetição do Caribe Mix, em plena praça pública. A dor de cabeça já é muito superior ao limite do aceitável. Muitas ou pelo menos algumas viagens se passaram desde os episódios da Esquina de la Super Chica, mas por falta de tempo, inspiração ou qualquer outra boa justificação, não escrevi. O certo é que estou em Mirandela desde ontem e é impossível conter a vontade de registar alguns dos melhores momentos destas últimas 24 horas.

O Expresso da Pampilhosa

Promovi o Intercidades com destino ao Porto a Expresso da Pampilhosa. Durante duas horas e meia, eu e toda a carruagem 23, aturámos a conversa de uma mãezinha no banco da frente, a discorrer um chorrilho de elogios ao filhinho, que entraria em Santarém. A senhora tinha vindo lisbotar e não se calou a viagem toda, preocupadíssima se o rebento conseguiria entrar no comboio. Ligou-lhe uma centena de vezes a confirmar se já estaria em posição na plataforma, E quando toda a gente aguardava o tão nervoso momento e a criatura entra, eis que se ouve um ahhh colectivo pois afinal, e ao contrário do que se esperava, o rapaz media 1,90 e tinha nada mais nada menos do que pelo menos 17 anos.

Claro que as viagens de comboio têm destas coisas. A verdade é que consegui fazer umas pausas na conversa e adormecer profundamente. Tão profundamente que acordei uma das vezes incomodada com o ronco de alguém. Para meu próprio espanto todos os outros passageiros estavam bem acordados… confesso que ainda demorei um pouco a admitir a origem de tão belo momento sonoro.

A boleia para Mirandela esperava-me em Coimbra, com chegada prevista para as 11h29. O revisor anunciou vezes sem conta a paragem na mesma mas esqueceu-se de um pequeno pormenor ou mais concretamente de uma pequena letra. B. Coimbra B. Como não sou de segundas escolhas e achei que B não era sítio para ninguém sair, não sai. Continuei a todo o vapor com destino a Pampilhosa!

Fui falar com o revisor, muito indignada, porque no horário estava a paragem em Coimbra e se mudaram, teriam que ter avisado. Ao que o aprumado senhor me responde muito pronto: A menina anda distraída! Eu avisei alto e bom som! Como habitual, rosnei com o sobrolho levantado e a resposta já foi diferente: Pronto. Não precisa de pagar para voltar para trás. Eu escrevo-lhe aí no bilhete. Pronto. Safou-se. Fiz uma tentativa de sorriso e não é que teve o descaramento de rematar com um “Mas olhe que a menina é que estava mesmo distraída”. Escusado será dizer que as rodas da mala ficaram-lhe marcadas no verniz do sapatinho.

Enquanto fazia o alegre caminho de retorno por Souselas, Vilela, Fornos e Adémia, a carrinha com os barcos e roulote (??) atrelada esperava já atravessada em Coimbra, e para cúmulo em Coimbra B… enfim.

Já não se fazem pneus como antigamente

Depois de uns quantos quilómetros, já na estrada de Mangualde para Celorico, o Portugal profundo assistiu em plena auto-estrada ao rebentamento e consequente derretimento de um pneu de uma roulote. Inundámos a estrada de fumo e fomos em procissão até à saída do lugar mais próximo. A julgar pelos apitos e acenos posso dizer que Celorico recebeu-nos em festa! Primeira oficina, paragem imediata. Acertámos em cheio na sobremesa do mecânico que não levantou os olhos para falar connosco enquanto não acabou a tigela de tremoços…

Depois de partirmos os cadeados calcinados para conseguirmos retirar no pneu suplente percebemos que não tínhamos rebentado só com as ditas fechaduras. Toda a parte de trás da roulote estava prestes a desfazer-se e levantar voo. Continuámos viagem com uma corda a toda a volta. Desenrrascanço nacional no seu melhor.

Parámos para almoçar no Lisboa à Noite… café de beira de estrada inspirado com toda a certeza nas noites de Lisboa em que falta a luz e o lixo não passa.

A Natércia das Alheiras

Depois de umas quantas voltas perdidas na serra finalmente desaguámos no Rio Tua, ainda a tempo de conhecer a Natércia das alheiras. O meu jantar foi bacalhau, mas também devia ser de caça, pelo tempo que demorou a chegar à minha frente.

Isto foi só para chegar. Agora vou ter a minha primeira experiência dentro de água com um par de remos...

P.S. 19h45 – A hora exacta em que fizemos a nossa entrada triunfal em Mirandela. Exactamente a hora a que chegaria se tivesse vindo de comboio regional…

quinta-feira, 9 de março de 2006

La Esquina de la Super Chica II

É 1 da manhã. Acabaram-se os cigarros e o desodorizante. Comecei a escrever estes episódios ontem mas dei por mim a bater com a cabeça no teclado e só agora tenho tempo para tentar outra vez manter afastada a testa das teclas. Com uma testa destas não é fácil… e provavelmente só consigo enviar amanhã. Vem a Internet vai a luz.

Ora fiquem a saber que energias acumuladas podem ter efeitos trágicos. Depois de ajudar a brasileira que anda aqui de gorro e cachecol a servir-se de um café com leite na máquina que finalmente após uma semana foi posta a funcionar, entrei em curto-circuito com a dita (a máquina, não a brasileira). Consegui provocar uma descarga eléctrica, rebentar com a corrente e ficar sem beber o meu desesperado expresso.

México definitivamente não é Acapulco. Algumas estatísticas oficiais:

- maior concentração de pessoas a dormir no chão por metro quadrado. 2 em cada 3 dormem descalças e 3 em cada 3 optam pelo conforto do alcatrão quente, bem encostadinhos ao passeio (deve ser para não caírem); Ah! E espreitem bem debaixo dos camiões que encontram um ou outro. Com sorte assistem à la siesta com direito a almofada.
- 2ª Profissão com maior implantação nacional: engraxador de sapatos. 1º lugar: engraxador de turistas;
- Mais alto nível de especialização no trabalho: La chica de hoje no cabeleireiro só fazia cabelos lisos. A dos encaracolados vem à quinta.

Portanto, esqueçam todas as ideias que possam ter sobre os mexicanos, cabeleireiros ou sobre o Presidente da Federação de Futebol da República Dominicana. O homem consegue tirar do sério o índio mais pachorrento que encontrar. O tipo político, que fala muito e não diz nada, que se quer fazer de desentendido enquanto tu trabalhas. Em qualquer Federação devia ser um requisito para ocupação do mais alto cargo saber que as etiquetas têm uma parte de trás que se descola e conseguir dividir uma cartolina em 9 colunas e 5 linhas com o tempo limite de 45 minutos. Quase que não ia acabando bem.

Maracas de Néon

Os contrastes e contradições destas 25 milhões de pessoas são um fenómeno digno de reflexão, bem acompanhada por uma Índio ou Leon, se possível ao som de todo o teatro cantado dos mariacchi, que foi onde acabámos todos na noite passada. Foi um momento muito esperado de descontracção nocturna. Para uns provavelmente demais. Houve quem andasse a imitar um macaco e um cão nas ruas da Cidade do México. Ah pois é!... Nem todas as romenas são como se imaginam… Esta chama-se Anca! Acreditem, faz justiça ao nome.

Voltando aos contrastes: a cultura azteca e a do néon vivem em perfeita harmonia. Até maracas fluorescentes se podem encontrar entre os cigarros, chocolates ou flores que apregoam os vendedores no trânsito, ou se preferirem, os Qué Frô mexicanos.

Tive também oportunidade de assistir a um ensaio de rua de danças hispano-americanas aztecas. Basicamente, são danças ritualizadas e dedicadas aos elementos que representam o Deus Sol e outras divindades. Hipnotiza. Transpira. O som, o cheiro e a energia são contagiantes. Dançam em volta da praça não-me-lembro-o-nome pois assim estão muy próximos das ruínas do Templo Maior, local vital, energético. Cada mês tem um ritual diferente e a grande festa em que todos os grupos e rituais se juntam é a 13 de Maio…Agora fiquei com um dilema.de peregrinação: Fátima ou México?... O curioso é que os contrastes aqui não se ficam pela superfície. Por baixo de todo o centro da cidade jaz uma outra cidade imensa, onde antes havia um lago.

Mais um inchaço

Passou do tornozelo para o ego. A generosidade das palavras caribenhas é digna de registo mas não aqui. Parecia mal. Digamos que o espanhol da Guatemala, Uruguai, México, Puerto Rico, Equador, Chile, Panamá, Cuba, Honduras e Aruba entende-se bastante bem. O que não vale uns pins, habilidades informáticas e 2 transformadores de corrente…

Amanhã ou hoje, conforme a hora a que a luz voltar, temos jantar de gala. Espero que o do Chile perceba que isso quer dizer que não pode levar os clips cor-de-rosa a fazer de bainha nas calças do fato mostarda…

Auto Trampa

Tenho a certeza que amanhã entro na fase do massacre. Os gatos pretos até já me perseguem de dia e um deles descolorou. Provavelmente passou muito perto do monte de merda com a minha altura que está no meio do caminho para os quartos. (Pronto. Ok. Assim sendo não é assim tão grande, já sei…) Pergunto eu: será que os srs. não tinham outro sítio para guardar o estrume????

Ahora me voy. Vou por o CD que pirateei do angolano, comprado cá, que recheadinho de salsa, e vou fazer voltas pivots debaixo do cobertor. Sim. Porque hoje é Quarta-feira! E nem um tremocinho para comemorar a vitória do Benfica…

segunda-feira, 6 de março de 2006

La Esquina de La Super Chica I

Estes são os primeiros episódios de uma telenovela mexicana que se prevê chata e demasiado saudável. Sim. Saudável. Sem tequilla, corona ou café expresso para aguentar as 6 da manhã todos os dias, com 12 horas de aulas sem perdão, não há muito mais a fazer para além de praticar o portuñol (vai sair daqui perfeito), reparar em pormenores idiotas e tentar não desesperar com a falta de comunicações. Não há um telefone para onde nos possam ligar, as cabines públicas funcionam após 37 tentativas e temos um tipo de ligação à internet muito própria. Conhecida nestas quatro paredes e meia janela como Internet Vai-Vem.

Depois de 11 horas de viagem e um tornozelo de elefante chegámos ao Centro Desportivo do Comité Olímpico Mexicano, na periferia da cidade. Sem dúvida um povo atencioso, prestável, de coração aberto e mãos estendidas ao que puderem apanhar.

Adoptada por 3 Mexicanos

O pouco que pude ver da cidade até agora impressiona. Pela diferença, pela grandeza, pelo cheiro, pela poluição, pela quantidade de pessoas. Imaginem o Martim Moniz em dia de feriado nacional na Índia e Paquistão, multipliquem pela quantidade de pombos no Rossio (ou na praça de S.Marcos em Veneza…) e aí têm uma aproximação da asfixia mexicana. Os 30 cm de espaço individual a que estamos habituados não existem nas ruas da Cidade do México. Pelo menos nas rua por onde andei.

Os 3 mexicanos que me adoptaram (Pedro, Jesus e Carlos) escoltaram-me nesta pequena incursão. Só me deixaram ir com eles ao centro da cidade porque no estaba muy aparatosa… pediram-me que fizesse um ar descontraído e nunca os perdesse de vista. Lá fui com a Santíssima Trindade comprar transformadores de corrente e adaptadores porque como é óbvio ninguém se lembrou que a coisa aqui é um bocadinho diferente… Um ficou na carrinha e dois saíram comigo. Tive que deixar a mochila e levar apenas o porta-moedas e sempre com a mão no bolso (para me certificar que de lá não saía). Achei tudo isto normal para uma cidade com um dos maiores índices de criminalidade até que vi um deles a tirar o próprio relógio e a deixá-lo também na carrinha. Aí comecei a ficar um pouco preocupada e fiz a pergunta idiota: as ruas são assim mesmo tão perigosas?? Tive um sorriso como resposta, uma troca de olhares entre os meus dois seguranças privados e después: “no… mas um fica sempre à tua frente e outro sempre por trás (vá… nada de piadas!). Não nos percas de vista e se por alguma razão isso acontecer assobia.”

Explicação: fomos a uma das zonas bastante perigosas. Não é assim em todas as colónias (bairros). Não vale a pena descrever o caos do trânsito. Basta dizer que vou sair daqui com a nítida sensação de que os mexicanos são daltónicos. Onde está vermelho vêem verde.

La Esquina de La Super Chica

Acabámos por nos encontrar novamente com a carrinha (entrámos no meio da estrada) en la esquina de la super chica, ou seja, onde eles tinham fixado anteriormente uma grande senhora, em todas as medidas, com uma t-shirt do Super-Homem. Podem imaginar o tamanho do logotipo na t-shirt, né?... E como os próprios não sabem o nome das ruas, entendem-se assim.

Depois da aventura fiquei a saber duas coisas: que a cidade tem muitas igrejas pois os espanhóis quiseram impor a sua religião e por cima de cada templo dos nativos, construíram uma capela ou construção semelhante. E que os transformadores não servem para nada e claro que as lojas mexicanas não fazem trocas nem devoluções. Manias de quem acha que percebe muito da coisa. Afinal bastavam os adaptadores.

Gatos Negros

Se gato preto é azar, estou sem sorte nenhuma. Enroscam-se três de cada vez nas pernas quando saio para o meu momento zen da noite. Fico à porta do dormitório masculino a impregnar ainda mais os meus pulmões com uma boa dose de nicotina. Masculino, pois claro. Para variar, não tinham quarto preparado para mim no feminino e então fui mandada para os fundos da Villa Veronil.

Dias conturbados

Quem andar a tentar fazer uma dieta mais vegetariana esqueça o México como destino de férias. Carne, carne, carne. Já decidi. A partir de amanhã vou passar fome. Carne três vezes por dia, chili e molhos de todo o tipo três vezes por dia, rebenta com a sanidade intestinal de qualquer um.

Análise FODA

Passo os dias completos enfiada na sala de aulas a tentar manter o meu padrasto acordado. Imaginem que têm 12 horas de aulas EM ESPANHOL de olhos fechados. Não é fácil. Mas também temos momentos de descontracção. Como por exemplo, quando os espanhóis insistem em utilizar o termo FODA mesmo após ter-lhes explicado o que significava em Português, e continuam a dizer bem alto várias vezes: estoy haciendo una foda o hay hacido muchas fodas com nuestros compañeros… ok ok. Passo a traduzir: FODA são as iniciais de um tipo de análise das organizações que é comum denominar SWOT (Strengths, Weaknesses,Oportunities and Threaths). Mas os nossos amigos como são pouco amigos do inglês, embirram em usar Fortalezas , Oportunidades, Debilidades e Amenazas. Alguns optam por DAFO. Mas como um dizia por lá, e verdade seja dita, depois de 3 dias a fazer análises DAFO, já é mesmo uma FODA.

Próxima viagem: Guatemala

O Vice-Presidente do Comité Olímpico Guatemalteco está encantado com o desporto adaptado português e em especial com o seu Presidente. Já está a fazer planos de alojamento para el Presidente, su mujer e su muy competente assistente. E fiquei a saber que Catarina na Guatemala é o cárter do motor… enfim…

Luta pela sobrevivência

Domingo é um dia especial. Domingo está tudo fechado. Ou meio aberto. A minha mãe resolveu aventurar-se pela colónia dos periodistas e ir à pelluqueria onde tínhamos estado ontem a cortar a barba de Sr. Ten. Cor. para tentar arranjar o cabelo. Ficou a saber que a chica que lo hace solo trabaja Domingo Si Domingo No. Estamos num Domingo Não. Tanto és assim que o refeitório onde comemos todos os dias fechava às 8 e ninguém avisou. Entrei por acaso às 8h30 e o empregado já estava fugir com os carros da comida. Tentei pará-lo com conversa. Expliquei-lhe que não sabia. Expliquei-lhe que se levasse o carro da comida eu não ia jantar porque não há outro sítio. Implorei. Nada. Impedi-lhe a passagem, agarrei o carro e fiz o meu melhor sorriso. Consegui. Carne outra vez, claro.

Agora vou por as lentes de contacto de molho nas tampas das garrafas de água porque me esqueci da caixa própria, respirar fundo e adormecer. Até à próxima vez que me conseguir ligar.