quarta-feira, 30 de julho de 2008

Para ti Segisnando, da Ortigosa, com Amor

Breve nota do autor: a publicação desta está desfazada no tempo. Já nem um textinho consigo acabar no próprio dia!! O tom mais intimista deve-se mesmo à falta de sentido de humor.

Não sei se é da chuva que me molhou mas não lavou o carro, se é da jante retorcida no passeio ou se é do dia de merda que tive, se é de mais um quarto de hotel, mas cá estou outra vez. Na A8, junto à saída para Leiria Norte, a caminho da Ortigosa fica uma terra que se chama Amor.

Sobra-me o tempo no caminho. Por um lado, a exaustão destes dias, meses, anos, leva-me a procurar descanso em pequenos pedaços de noite, onde me perco a escrever no pensamento. Pelo outro lado, a pena suspensa que o Agente Segisnando me impôs, obriga-me a não exceder os meus limites durante pelo menos um ano, sob o risco de começar a ter mais histórias de taxistas para contar. Espero que me leias, Segisnando, e que me respondas ao que dentro daquela carrinha azul e branca não tive coragem de te perguntar: mas que raio de nome é esse?? Não reparei se eras casado ou não, ainda que te tenha olhado estarrecida para o que tinhas entre mãos, mas seja qual for a rapariga, é bom que seja de boa imaginação.

Nietzsche ma friend

Voltando à terra Amor, e não deixando de me sentir um padre celibatário a fazer cursos de noivos, atrevo-me a mandar dois ou três palpites, sem qualquer veleidade ou pretensão. O que se passa é que odeio generalizações. Quase tanto como ouvir às 2h00 da manhã o hóspede do quarto ao lado a assoar-se, vulgo fungar-se todo, enquanto toma banho. Ouve-se, lê-se, com demasiada frequência a história de que nós mulheres, estamos diferentes, a nova mulher. A que nem já, nem nunca, procurou príncipes encantados mas também não se contenta com os sapos.

Do alto da minha mais recente condição de divina, diva, diversificada, divagadora, divertida, divagante, divergente, diversifoliada, divelente, diversiva, diversa, diversiforme, divorciada, permito-me anunciar-vos que afinal continuamos as mesmas, cada uma com as suas pequenas subtilezas. Não nos confudam com o que leêm nas revistas.

Continuamo-nos a derreter com sinos e orquestras, mas com promessas de amor presente. Não futuro. Apenas queremos sentir, apenas queremos algo real. Ousámos deixar de encontrar o nosso conforto no lavar das vossas cuecas. A grande revelação é que não queremos nada mais do que sentir a vossa atenção, se for sincera. Deixámos o pudor à porta. Talvez não acreditemos mais em fidelidade, pelo menos não naquela que se promete. Deixámos de fazer depender a nossa felicidade dos vossos humores.

Em navegações pela net, roubei isto a um blog que por sua vez o roubou a Nietzsche. Resume na perfeição o estado de espírito de muitos de nós, não de todos.

"Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia"

E porque comecei por dizer que odeio generalizações, amigas, não os metam todos no mesmo saco, ainda que às vezes o mereçam. Também eles têm medos e inseguranças, também eles querem a nossa atenção. Se nós estamos em maturação e não é fácil entender esta suposta nova mulher, digam-lhes o que vos vai na alma, ainda que doa, a eles. Esqueçam as regras, esqueçam o certo, esqueçam os jogos. Continuo a acreditar do fundo do coração que o único caminho para a nossa consciência é o de seguirmos de coração aberto. E isto sim, é um luxo sem o qual não quero viver mais.

Antes que isto fique lamechas, quero só dizer que o que escrevi em cima serve para aplicar às pessoas que nos conseguem tirar o sono, às que o amigo Nietzsche se referia. Às outras... logo se vê. Depende dos nossos prazeres e das nossas necessidades.

Volto um dia destes. Quando sair do retiro a que me vou forçar conto-vos que tenho um novo clube de futebol, que vou à Grécia em Setembro, que descobri que na loja do lado posso comprar "bandoletes à Nuno Gomes" e "peúgas sem elástico". Que descobri que o libanês-vizinho-do-lado é um fervoroso entusiasta de torradas queimadas e de partidas de xadrez à porta aberta.

domingo, 13 de julho de 2008

À Borda d'Água e do Pastel de Bacalhau

Dentro em breve estarei à borda d'água mas o que vos trago aqui hoje é ele, o verdadeiro, O almanaque, o mítico Borda D'Água. Fruto da minha mais recente viagem, desta vez de casa para o trabalho, mais concretamente de casa para uma conferência, mais concretamente ainda, de quase Oeiras para quase Carnaxide.

Contrariando todos os meus hábitos mais enraizados, levantei-me cedo, saí de casa cedo, a pensar: vou tomar um grande pequeno-almoço, acompanhado de umas breves leituras pelo jornal, na paz e descanso de um café bem amargo e assim já estou pertinho e preparada para aguentar 10 horas de Liderança e Formação de Equipas. A única coisa que se formou foi mesmo uma fome de deixar o estomâgo colado ao porta-bagagens e um humor de cão que rosnava e praguejava a quem passava. Depois de duas horas para fazer uns míseros 15 km , saio em grande estilo do carro e estatelo-me ao comprido no passeio. Depois de mais uma demonstração deste meu equilíbrio muito próprio, fiquei preocupada comigo. Desenganem-se, pois às vezes ainda que possa parecer, não estou a ficar surda. Estou a ficar mesmo gaja. Joelhos esfolados, mãos em sangue, com duas boas almas a quererem levantar-me do chão, com umas quantas dezenas de pessoas a olhar e eu só conseguia rir e pensar: Será que parti as unhas??

Ter unhas é complicado. Acertar à primeira nas teclas sem resvalar exige agora um exercício de perícia elaborado. A porta do prédio já lá tem duas (minhas, pelo menos). Os objectos, suponho que sejam objectos, não identificados dentro da mala contam já com uma. Por e tirar lentes de contacto tornou-se um drama. Prescindir da funcionalidade em benefício da estética traz também as suas virtudes. Agora que tenho unhas, as minhas costas vão sofrer muito menos. Já não posso carregar grades, tendas e paletes de powerade. Sou menina.

Da conferência pouco retirei. Retirei-me até mais cedo porque já não conseguia ouvir o tipo a lamber o Mourinho de cima a baixo, com geleia de caramelo. Cheguei a casa a cheirar a pastel de bacalhau mas pelo meio ouvi, li e redescobri algumas coisas interessantes, tudo à parte da dita conferência, ainda que na mesma sala. A sessão que mais aguardava era a "Gestão da Pena que Temos dos Outros". Queria descobrir como é que se podia ter alguma e consegui. Pena de mim ali enfiada a ouvir um senhor que dava pena ouvir, pena de não ter comido mais ao almoço, pena de não ter pintado as unhas de vermelho, pena de não estar encostada à minha jemela, com um bom livro sobre o assunto. A jemela ainda vem de Munique, mas encontra-se no rol de palavras perdidas do sul do nosso país, caídas em desuso, mas que ainda arrancam uma boa gargalhada.

Mas para perder as manias e deixar-me de arrogâncias, à hora de almoço fui enganada por um paquistanês clandestino em 60 cêntimos. Não foram rosas, senhor, não. Cobrou-me 2€ pelo Borda d'Água quando o preço estampado na capa é de 1,40€. Tudo bem que foi servido na esplanada, mas para isso já basta o café. Desenganem-se novamente. Não comprei o almanaque por pena, mas porque preciso saber as marés.

Digo-vos que para mim foi um reviver das torradas de azeite e alho ao pequeno-almoço da minha avó, dos bolinhos com bagaço do meu avô, dos anos que aprendi a ler nos "livros aos quadradinhos" e das pilhas das revistas do Correio da Manhã, ainda com a pouco sagrada página do meio. De imaginar o voo das gaivotas que se aninhavam ali, e à falta de jemelas, dos naperons que cobriam os encostos do sofá. E das horas que passava a dar volta ao Borda d'Água.

Sabiam que em 2008 têm mais um dia para trabalhar? Sabiam que em anos bissextos, no Séc. XIII, na Escócia, eram as mulheres que, ao contrário dos outros anos, tinham o direito de escolher o marido e se o escolhido não quisesse, era obrigado a pagar uma multa de respeito? Que se deve estercar (a terra...) no minguante ou no crescente? Deve haver por aí muito boa gente com problemas de obstipação que ainda não descobriu as fases da lua...

Fiquei triste com o final. A julgar por um dos prelectores, já devia estar triste desde manhã porque estou de saltos altos. Mas fiquei a saber que os nascidos este ano (desculpem lá qualquer desânimo, breves futuras mães e pais mas mais parece que vão dar à luz um olharapo) vão ter um rosto grande e feio, muitos sinais, cabelos ralos e ruivos, narizes grandes e abertos. O autor ainda tem o cuidado de apelar à nossa pena e pedir para lhes darmos, ainda assim, a possibilidade da "eternidade prometida", que é o Amor, pois é o Amor que nos salva.

Uma questão impõe-se. Será que a minha cara achatada, o meu dente de fora e outras partes do corpo que deviam estar mais para dentro, não são efeito do património genético já desgastado em outras duas tentativas bem sucedidas, mas sim vingançazita de um deus menor, farto de brincar com a varinha de condão?? Pessoal de 1978! Mandem fotos!

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Zé Miguel no Reino da Bavária

Ainda não sai do hotel mas adoro Munique. Pacotes de gomas na almofada à chegada, pessoas nuas nas fontes e debaixo das pontes, potes de gomas no centro de imprensa. A parte de estar numa cidade conhecida pelos inúmeros jardins de cerveja não interessa nada já que vou falhar tudo o que é festa, festival ou outras animações. Seja como for, quando nos fazemos passar por jornalistas e prometemos entrevistas ao recepcionista do hotel, a cerveja é à borla. Preta, fresca e de meio litro.

Mas interessa sim apresentar-vos o Zé Miguel, ex-atleta de alta competição, jardineiro de profissão, deficiente mental. Não lhe estou a chamar nomes, tem de facto algumas incapacidades intelectuais. Está nestes campeonatos como assistente do treinador da equipa adaptada, mas vou adoptá-lo para cada deslocação que fizer. Carrega-me o computador, monta e desmonta os barcos, dá de comer aos outros, esforça-se por aprender as primeiras letras de cada palavra em inglês. Diz ele que “como tudo na vida, o que interessa é a primeira parte. Depois vai tudo dar ao mesmo, é só seguir em frente”.

Filósofo, preocupado e meticuloso. Ao ponto de durante toda a viagem, mas mesmo toda a viagem, me vigiar o sono e não me deixar por um instante que fosse, deixar cair o queixo um mísero milímetro. Juro que nunca lhe contei nada das minhas patologias crónicas e garanto que não paguei pelo serviço que prestou aos outros passageiros.

Sádicas reflexões e pornografia animal

Quem costuma andar de avião sabe que é hábito bater palmas aquando de aterragens mais ou menos turbulentas. Será que os brasileiros em Congonhas, uma vez que aquilo tudo só explodiu depois de estar no chão, também bateram palmas?

Este singelo comentário (que não é meu!) e a anedota da caracoleta (que não é para aqui!) marcaram definitivamente o ponto de viragem nas conversas no bar do hotel. Sadismo à desgarrada, piadas pouco próprias ao despique e à custa de quem passa. A cerveja, essa, continua por conta da casa. Mais uma semana sem fazer dieta. E mais uns quantos anos sem tocar em caracóis e em afins viscosos e escorregadios.

Mais um deficiente a acrescentar à lista

No primeiro dia adoptei o Zé Miguel, deficiente mental. Na primeira noite um mosquito, deficiente visual. O meu mosquito de estimação, que há duas noites não me deixa dormir, só poder ser amblíope. Com tanta remadora boa que para aí anda, o tipo não me larga, zumbe-me aos ouvidos a noite toda e em cada oportunidade pica-me sem dó nem piedade. O problema é que aqui os edredões são como os alemães. Brancos, compridos e estreitos. Como sou inversamente proporcional às medidas da dita cobertura, fico com um problema ou melhor, fico sempre com alguma coisa de fora a servir de manjar ao raio do mosquito.

Bons prenúncios clínicos

Hoje consegui chamar fisioterapista ao fisioterapeuta. Logo no primeiro dia de contacto, o psicólogo da Selecção aconselhou-me a consultar um colega, e com alguma rapidez. Fiz o médico estar no aeroporto às 4 da manhã para vir para cá. Tenho a impressão que isto nos próximos dias vai animar. Neste departamento médico, pelos menos também já tenho aspirinas à borla.

Sr. Michelin, isso é se nós não quisermos!

Pág. 137 – Título: Mulheres que viajam sozinhas
Recomendação do Guia Michelin para Munique: “Peça um quarto perto do elevador do hotel e não deixe estranhos entrar no seu quarto”. Já vai tarde. Não conhecia o mosquito de lado nenhum.

Munique 1972 - Os israelitas na altura não comiam tanto

Estou a meio da terceira noite e o Ludwig não desiste. Já que estou tão familiarizada com a criatura voadora, resolvi dar-lhe um nome. Um que fosse famoso e nobre por estas terras e ao qual se deve a Oktoberfest.

Por falar em momentos cruciais da história, o atentado terrorista em Munique tem a sua efeméride agora a 5 de Setembro. A data está próxima mas não tanto como a equipa israelita. Porta do lado. Se os rapazinhos na altura comessem tanto como os primos deles hoje o fazem, se calhar teriam conseguido reunir forças para mudar o final da história.

Quero ser uma Weisswurst

Ainda segundo o guia dos pneus, antigamente a Weisswurst era tomada como um segundo pequeno-almoço. Como se estragavam facilmente, estas salsichas eram mantidas em água quente até ao meio-dia.

Boa Noite, Ludwig