domingo, 13 de julho de 2008

À Borda d'Água e do Pastel de Bacalhau

Dentro em breve estarei à borda d'água mas o que vos trago aqui hoje é ele, o verdadeiro, O almanaque, o mítico Borda D'Água. Fruto da minha mais recente viagem, desta vez de casa para o trabalho, mais concretamente de casa para uma conferência, mais concretamente ainda, de quase Oeiras para quase Carnaxide.

Contrariando todos os meus hábitos mais enraizados, levantei-me cedo, saí de casa cedo, a pensar: vou tomar um grande pequeno-almoço, acompanhado de umas breves leituras pelo jornal, na paz e descanso de um café bem amargo e assim já estou pertinho e preparada para aguentar 10 horas de Liderança e Formação de Equipas. A única coisa que se formou foi mesmo uma fome de deixar o estomâgo colado ao porta-bagagens e um humor de cão que rosnava e praguejava a quem passava. Depois de duas horas para fazer uns míseros 15 km , saio em grande estilo do carro e estatelo-me ao comprido no passeio. Depois de mais uma demonstração deste meu equilíbrio muito próprio, fiquei preocupada comigo. Desenganem-se, pois às vezes ainda que possa parecer, não estou a ficar surda. Estou a ficar mesmo gaja. Joelhos esfolados, mãos em sangue, com duas boas almas a quererem levantar-me do chão, com umas quantas dezenas de pessoas a olhar e eu só conseguia rir e pensar: Será que parti as unhas??

Ter unhas é complicado. Acertar à primeira nas teclas sem resvalar exige agora um exercício de perícia elaborado. A porta do prédio já lá tem duas (minhas, pelo menos). Os objectos, suponho que sejam objectos, não identificados dentro da mala contam já com uma. Por e tirar lentes de contacto tornou-se um drama. Prescindir da funcionalidade em benefício da estética traz também as suas virtudes. Agora que tenho unhas, as minhas costas vão sofrer muito menos. Já não posso carregar grades, tendas e paletes de powerade. Sou menina.

Da conferência pouco retirei. Retirei-me até mais cedo porque já não conseguia ouvir o tipo a lamber o Mourinho de cima a baixo, com geleia de caramelo. Cheguei a casa a cheirar a pastel de bacalhau mas pelo meio ouvi, li e redescobri algumas coisas interessantes, tudo à parte da dita conferência, ainda que na mesma sala. A sessão que mais aguardava era a "Gestão da Pena que Temos dos Outros". Queria descobrir como é que se podia ter alguma e consegui. Pena de mim ali enfiada a ouvir um senhor que dava pena ouvir, pena de não ter comido mais ao almoço, pena de não ter pintado as unhas de vermelho, pena de não estar encostada à minha jemela, com um bom livro sobre o assunto. A jemela ainda vem de Munique, mas encontra-se no rol de palavras perdidas do sul do nosso país, caídas em desuso, mas que ainda arrancam uma boa gargalhada.

Mas para perder as manias e deixar-me de arrogâncias, à hora de almoço fui enganada por um paquistanês clandestino em 60 cêntimos. Não foram rosas, senhor, não. Cobrou-me 2€ pelo Borda d'Água quando o preço estampado na capa é de 1,40€. Tudo bem que foi servido na esplanada, mas para isso já basta o café. Desenganem-se novamente. Não comprei o almanaque por pena, mas porque preciso saber as marés.

Digo-vos que para mim foi um reviver das torradas de azeite e alho ao pequeno-almoço da minha avó, dos bolinhos com bagaço do meu avô, dos anos que aprendi a ler nos "livros aos quadradinhos" e das pilhas das revistas do Correio da Manhã, ainda com a pouco sagrada página do meio. De imaginar o voo das gaivotas que se aninhavam ali, e à falta de jemelas, dos naperons que cobriam os encostos do sofá. E das horas que passava a dar volta ao Borda d'Água.

Sabiam que em 2008 têm mais um dia para trabalhar? Sabiam que em anos bissextos, no Séc. XIII, na Escócia, eram as mulheres que, ao contrário dos outros anos, tinham o direito de escolher o marido e se o escolhido não quisesse, era obrigado a pagar uma multa de respeito? Que se deve estercar (a terra...) no minguante ou no crescente? Deve haver por aí muito boa gente com problemas de obstipação que ainda não descobriu as fases da lua...

Fiquei triste com o final. A julgar por um dos prelectores, já devia estar triste desde manhã porque estou de saltos altos. Mas fiquei a saber que os nascidos este ano (desculpem lá qualquer desânimo, breves futuras mães e pais mas mais parece que vão dar à luz um olharapo) vão ter um rosto grande e feio, muitos sinais, cabelos ralos e ruivos, narizes grandes e abertos. O autor ainda tem o cuidado de apelar à nossa pena e pedir para lhes darmos, ainda assim, a possibilidade da "eternidade prometida", que é o Amor, pois é o Amor que nos salva.

Uma questão impõe-se. Será que a minha cara achatada, o meu dente de fora e outras partes do corpo que deviam estar mais para dentro, não são efeito do património genético já desgastado em outras duas tentativas bem sucedidas, mas sim vingançazita de um deus menor, farto de brincar com a varinha de condão?? Pessoal de 1978! Mandem fotos!

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