sábado, 27 de fevereiro de 2010

Nikita em Pantufas

A pantufa de Nikita

Nikita aconchega-se na chaise-longue azul turquesa meio petróleo, equipada com a mais moderna tecnologia anti-ciclone: as pantufas armadas com berloques laterais e estampado frontal. Enquanto se queima, língua e dedo, em mais uma chávena de chá, e com o silêncio apenas quebrado pelo som da nostalgia ou do sporting a ganhar pela primeira vez na época, Nikita estremece e recorda aqueles momentos em que conseguiu escapar às garras de um destino gélido e tortuoso, perdida nos formulários bielorrussos, ou aquela vez em que as águas movediças do pinhal de leiria estiveram prestes a engoli-la, com carrinha e tudo...

...Da Bielorrússia com amor, e gripe.

Com quatro dias de antecedência, e a caminho de um casamento em Madrid, descobri que tinha que ir para a Bielorrússia. Pacífico. Não fosse ser a última ditadura da Europa e a viagem teria muito menos piada. Fora da comunidade europeia, zonas euro e espaços schengen, a perspectiva da tragico-comédia melhora bastante. Os 3 graus de temperatura à noite deram-me uma inflamação na garganta e 6 dias de cama. É. Diz que a Nikita não se deu bem com o sopro de leste e já só se pôs de pé à conta de esgotar o antibiótico e a paciência do médico grego. Apesar dos esforços e da simpatia do rapaz, só melhorou quando o autocarro de regresso ao aeroporto estacionou à porta do hotel.

37 horas e 74 formulários depois

Da maneira que saíam atrás umas das outras, as proezas e as desgraças, sentia-me de facto no país das matrioskas. De Lisboa ao Porto em comboio, do Porto a Frankfurt em avião atrasado para o voo de ligação a Varsóvia. Quando aterrámos, já tinha dado a volta à Europa por telefone para por fim conseguir que a embaixada da Bielorrússia na Polónia conseguisse passar 15 vistos de entrada. Faltava ir à embaixada pôr os vistos de todos no passaporte e fazer os seguros para conseguirmos passar a fronteira para Brest, em autocarro. Como é esperado, ninguém na embaixada falava inglês, eu não falo bielorrusso. Gestos, desenhos e uma garrafa de Porto estrategicamente metida na mala, garantiram os documentos já depois da hora de fecho. Ainda tive que ir a um pequeno bosque (sim, bosque) ao lado, para fazer os seguros de entrada numa pequena casa de madeira.

Nesta casa no meio da mata estava uma gorda sentada ao computador, com uma caixa de dinheiro e pilhas de dossiers de formulários. Qual bruxa na casinha de chocolate, a bielorrusa fechou-me lá dentro e forçou-me a preencher e assinar 45 formulários. Após a tortura, regressei ao aeroporto, descansada, a pensar que o pior já tinha passado.

Mas não tinha. Era noite e ficámos 4 horas parados na estrada pela polícia polaca, prenderam o motorista e levaram o autocarro. Deixaram-nos num hotel de berma de estrada até que apareceu novo autocarro. O excesso de horas de condução do homem e mais alguns problemas com documentos puseram mais um percalço na viagem. Entrei no autocarro, descansada, a pensar que o pior já tinha passado. Mas não tinha. Era noite e ficámos 3 horas parados na fronteira pela polícia bielorrussa. mais formulários. Entrei no autocarro, cansada. Paragem na segunda fronteira. Mais formulários. Desta vez já só foi meia hora e fui identificada pelos dentes. O guarda entrou, pegou nos passaportes e foi verificar um a um. Quando chegou a mim, eu já não sorria. Ele desconfiou. Sorri. E ele disse ahhhhh!... é que assim já estava igual à fotografia, com as bochechas para cima e os dentes de fora.

Saí de Lisboa numa segunda-feira às seis da tarde, entrei no hotel em Brest quarta-feira às seis da manhã. Pediram-me novamente os passaportes e mais formulários. Deitei-me. Da cama saíram mosquitos. Os que não voaram é porque já estavam mortos. A torneira da banheira era a mesma do lavatório. Os restantes 6 dias, como já se sabe, passei-os a trabalhar na cama.

Nikita passeia na lama ou as 24 horas de Pataias

Por falar em longas paragens no meio do nada, Nikita já de regresso à pátria reencontra o Robin e vão passear com o bando para a floresta. Umas dez motas e uma carrinha todo-o-terreno por trilhos nunca dantes navegados. Curva à esquerda a 90 graus no meio dos eucaliptos. Missão impossível para a Strakar. Vamos em frente, digo eu, direitinhos ao lamaçal escondido por debaixo da cama verde de folhas, raízes e terra. A carrinha enterra-se em segundos até ao eixo. Eu, até às orelhas, com a vergonha do disparate que tinha acabado de dizer.

Vieram as motas, e nada. Vieram os bombeiros, e nada. Pior. Atascaram também o tanque de 10 toneladas que tiveram a inteligência de trazer. Depois dos bombeiros conseguirem bloquear o caminho de saída, chegou a retroescavadora. Que se enterrou também no único espaço livre que havia para sair. Chegou o reboque da lenha, para puxar a retroescavadora, que por sua vez puxava o carro dos bombeiros, que por sua vez não se mexia um mílimetro. A embriaguez do tipo que conduzia o reboque levou-o a desatinar com o bombeiro, a virar costas e ir embora sem tentar tirar a carrinha. A retroescavadora também desistiu. Veredicto: 1 carrinha, 10 motas, 1 carro dos bombeiros, 1 retroescavadora e 1 reboque da lenha atolados ou empatados no meio do pinhal de Leiria, na mata de Pataias. 24 horas depois saiu.

Os planos próximos, que certamente vão degenerar nas Desventuras de uma Alforreca, incluem acabar o curso de mergulho, plantar uma árvore e ir até Lyon. Penso que mais umas semanas e começaremos a ter noção real dos efeitos da privação prolongada de nicotina no cérebro humano. Há 4 meses sem fumar!!!!

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